domingo, 17 de janeiro de 2010

Respeitem nossas verdadeiras tradições!

por Isaac Malheiros

Não se dirige olhando apenas para trás. O retrovisor é necessário, mas a sua função é ajudar a orientar nosso progresso seguro para frente.

Algumas tradições são erradas e anti-bíblicas. Mas por causa de sua antiguidade, receberam passe-livre entre os cristãos. No entanto, o tempo não transforma o erro em verdade, transforma erros apenas em tradições acariciadas.

Algumas práticas e costumes tradicionais são corretos ou inofensivos, mas têm tempo de validade, ou são condicionadas culturalmente. A essência por trás dessas tradições permanece, e deve orientar a mudança rumo a novas práticas que façam mais sentido no contexto atual.

Não importa se elas são anti-bíblicas, inofensivas ou corretas: não devemos fidelidade às tradições, de forma alguma. Devemos fidelidade ao Cordeiro (Ap 14:4). Qualquer tipo de apego inflexível à normas, práticas e costumes em detrimento de claros princípios da Palavra de Deus é tradicionalismo ou conservadorismo.

O objetivo desse texto não é discutir o “tradicionalismo” e o “conservadorismo” sob a ótica filosófica e sociológica. Assim, usaremos essas expressões com o seguinte significado: “resistência injustificada a mudanças e adaptações” ou “apelo ao passado e à história como critério para se julgar o que se faz hoje”. Em resumo, se alguém usa frases como “sempre foi assim”, “em time que está ganhando não se mexe”, “antigamente é que era melhor” provavelmente há alguma forma de tradicionalismo envolvido. E quando se usa a tradição como régua para se medir os outros, então não resta mais dúvidas: é tradicionalismo.

Antes de prosseguir, deixemos claro que não há nenhum tipo de problema em nos apegarmos emocionalmente às antigas práticas e hábitos de nossa família ou nossa igreja. Na realidade, isso molda nossa identidade, é nossa herança cultural. No entanto, quando tradições e princípios bíblicos batem de frente, sem sombra de dúvidas as Escrituras vencem (Mt 15:13).

A base bíblica distorcida dos tradicionalistas

Para evitar qualquer inovação e preservar cegamente as tradições (o que representa uma forma sentimentalismo), é comum ver algum irmão esbravejar o seguinte provérbio:

Não removas os limites antigos que fizeram teus pais.” (Pv 22:28)

Está certo que podemos “espiritualizar” algumas coisas nas Escrituras, mas assim já é demais! Os “limites” da passagem em lide, não eram limites morais, ou algum tipo de norma comportamental. Eram apenas limites (ou marcos) de lotes de terra (Pv 23:10 e 11). Alterar os limites dos terrenos familiares, era crime (Dt 19:14) punível sob maldição (Dt 27:17). Era um golpe comum aplicado pelos vigaristas (Jó 24:2). Espiritualmente, os “marcos antigos” são os marcos bíblicos, nunca tradições humanas. [1]

Seguindo a mesma linha de raciocínio anacrônico, encontramos mais uma passagem distorcida quando o tema é música:

Assim diz o Senhor: Ponde-vos nos caminhos, e vede; perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele, e achareis descanso para as vossas almas. Mas eles disseram: não andaremos. ” (Jer 6:16)

De tão leviana e irreverente, a aplicação tradicionalista deste versículo para condenar inovações não merece muitos comentários. Mas fica muito claro a qualquer leitor honesto que o assunto aqui não é tentarmos reproduzir literalmente a vida e as formas de culto de nossos bisavós, mas nos lembrarmos das atuações divinas no passado e dos antigos ensinos das Escrituras.[2]

Qual o problema com as tradições?

Alguém disse que uma antiga tradição pode ser também um antigo erro[3]. Nem todas as tradições são saudáveis, existem tradições baseadas em falsas premissas. Sabemos que, desde os dias de Paulo, tentar mudar tradições eclesiásticas certamente é criar discussões acaloradas. No tempo de Jesus, judeus movidos por boas intenções tentavam preservar os costumes e as crenças tradicionais. Havia muito zêlo legalista, mas não fé. E “tudo que não provém de fé é pecado” (Rm 14:23).

As tradições de usos e costumes têm o seu valor e não devem ser desprezadas simplesmente pelo gosto da novidade (2 Ts 3:6)[4]. Mas, as tradições e formalidades quando supervalorizadas, acarretam um grande perigo: desviar a atenção das pessoas dos grandes princípios da Lei e do Evangelho (Mt 15:3 e 6). Jesus diz:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da Lei: o juízo, a misericórdia e a fé. Deveis fazer estas coisas e não omitir aquelas.Condutores cegos! Que coais um mosquito e engolis um camelo.” (Mt 23:23 e 24)

Se nos preocupamos mais com o “mosquito” da aparência das pessoas e menos com o que se passa no coração delas, engolimos um camelo. Se em nome da moralidade e da virtude maltratamos e esmagamos pessoas, desce mais um camelo! Se fazemos das tradições testes de discipulado, mais um camelo de duas corcovas! Se fazemos acepção de pessoas baseados em quaisquer critérios, mais um dromedário mal passado!

A fronteira entre o bem e o mal é demarcada arbitrariamente por algumas pessoas que usam a tradição como parâmetro. E como para elas não há meio termo, o que não é “de Deus” imediatamente passa a ser coisa “do maligno”. O problema é que existem assuntos sobre os quais a Bíblia simplesmente se cala. Quando tentamos fazer uma lista maniqueísta de objetos e atitudes, corremos o risco de subjugar o livre-arbítrio e a responsabilidade pessoal de cada um.

As pessoas merecem respeito. Devemos levá-las a um relacionamento pessoal com o Salvador. Elas devem descobrir a responsabilidade que cada um terá de prestar contas de si mesmo diante de Deus (Rm 14:12). Não se pode guiar as pessoas como gado, como seres bárbaros, insensíveis e mentalmente inferiores. Mas em muitas comunidades não há sequer abertura para uma discussão madura sobre assuntos como a música e formas de adoração.

As normas comportamentais, escritas ou não, ainda que necessárias, são erroneamente sacramentadas como provas de discipulado. E muitos têm até duvidado da salvação daqueles que não conseguem seguir satisfatoriamente às fórmulas tradicionais. Todos os esforços de Paulo e Lutero[5] são invalidados quando a instituição eclesiástica sente-se no direito de ser a consciência de seus membros nos mínimos detalhes. E o precioso sangue carmesim derramado no Calvário é sistematicamente pisado pelos que se apegam às normas e tradições eclesiásticas como meio de salvação.

Nesse contexto, o apego às tradições litúrgicas, bem como o culto aos costumes culturais de um povo, podem desvirtuar totalmente o ambiente de culto a Deus. A liberdade espiritual que temos em Cristo é algo maravilhoso e que não pode ser impunemente suprimido.

Outro problema é que algumas antigas tradições funcionam como parasitas da verdade bíblica. Algumas práticas extra-bíblicas são canonizadas e passam a fazer parte de um tipo de anexo bíblico implicitamente passado de geração a geração. “O erro não pode subsistir por si mesmo, e se extinguiria de pronto, não se apegasse como parasita à árvore da verdade. O erro tira sua vida da verdade de Deus. As tradições dos homens, como microorganismos que pairam no ar, agarram-se à verdade de Deus, e os homens as consideram como parte da verdade.” Evangelismo, 589.

Qual o problema com isso? Leia Apocalipse 22:18 e 19 e descubra.

Voltemos às nossas verdadeiras tradições

Para algumas pessoas, o adjetivo “antigo” é o bastante para recomendar alguma crença ou prática. Movidos pelo zêlo e em defesa das tradições, algumas pessoas têm tomado atitudes mais legalistas do que cristãs. Mas a nossa maior “tradição” é o princípio que herdamos da Reforma Protestante: o Sola Scriptura[6]. Somos o “povo da Bíblia”, e não o “povo do museu”. Minha admiração pelos pioneiros e pela história da minha igreja não é maior que a minha admiração pela Palavra de Deus.

Faz parte de nossa tradição adventista efetuar mudanças para se adequar à mudanças dos tempos. É tradicional e histórico o nosso comportamento de avaliar as práticas e os métodos e desenvolvermos novas abordagens evangelísticas a fim de melhorar sua efetividade. Faz parte de nossa tradição não termos medo de novidades[7]. Faz parte de nossa tradição adventista o não sermos tradicionalistas.

Não somos um movimento profético levantado para pregar tradições. Esse item (tradição) não está incluído no chamado de Jesus, e não temos o direito de fazer acréscimos:

“Na comissão dada aos discípulos, Cristo não somente lhes delineou a obra, mas deu-lhes a mensagem. Ensinai o povo, disse, "a guardar todas as coisas que Eu vos tenho mandado". Mat. 28:20. Os discípulos deviam ensinar o que Cristo ensinara. O que Ele falara, não só em pessoa, mas através de todos os profetas e mestres do Antigo Testamento, aí se inclui. É excluído o ensino humano. Não há lugar para a tradição, para as teorias e conclusões dos homens, nem para a legislação da igreja. Nenhuma das leis ordenadas por autoridade eclesiástica se acha incluída na comissão.” Evangelismo, 15.

Voltemos às nossas verdadeiras tradições. Cumpramos a ordem do Mestre, estritamente como Ele nos deu.

E por último, um apelo: que ninguém encare este texto como um libelo anarquista e anti-denominacional. E que ninguém use estas palavras para apoiar o “vale-tudo” litúrgico e musical, que rejeita toda e qualquer norma. Como instituição, precisamos de normas e regras que facilitem o gerenciamento da obra. Mas essas normas e regras, ainda que baseadas em princípios bíblicos, não devem servir de pretexto para subjugar ou humilhar publicamente os que não se enquadram ao modo tradicional e propõem atualizações para benefício da pregação do evangelho.

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[1] “Muitos conhecem tão pouco acerca da Bíblia, que sua fé é instável. Removem os marcos antigos, e as falácias e ventos de doutrina os levam para cá e para lá. A ciência, falsamente assim chamada, está minando os fundamentos dos princípios cristãos; e os que uma vez estavam na fé vão-se afastando dos marcos bíblicos e se divorciam de Deus enquanto ainda professam ser filhos Seus.” Review and Herald, 29 de dezembro de 1896. “Nossa única salvaguarda está na preservação dos antigos marcos: "À Lei e ao Testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, nunca verão a alva." Isa. 8:20. " Christian Temperance, págs. 111-116.
[2] Uma citação que os tradicionalistas amam distorcer é: “Precisamos sermões à moda antiga, costumes à antiga, pais e mães em Israel à antiga. É preciso trabalhar pelo pecador perseverantemente, zelosa e sabiamente, até que ele veja que é transgressor da lei de Deus, e exerça arrependimento para com Deus, e fé no Senhor Jesus Cristo.” Mensagens Escolhidas, vol. 2, 18 e 19. Basta ler atentamente os parágrafos anteriores para perceber que esse texto se refere ao emocionalismo que estava substituindo a pregação bíblica genuína do arrenpendimento. Na realidade, basta ler a sentença anterior a essa citação (sempre omitida pelos tradicionalistas): “O Senhor deseja que Seus servos hoje preguem a antiga doutrina evangélica - tristeza pelo pecado, arrependimento e confissão.”
[3] Um exemplo são as antigas tradições cristãs que perduraram por séculos até à Reforma: “Grande luz foi concedida aos reformadores; muitos deles, porém, aceitaram os enganos do erro pela má interpretação das Escrituras. Estes erros foram transmitidos através dos séculos, mas embora sejam muito antigos, não têm a apoiá-los um "Assim diz o Senhor". Pois o Senhor declarou: "Não alterarei o que saiu dos Meus lábios." Sal. 89:34.” Fundamentos da educação cristã, 450.
[4] A palavra grega para “tradição” é paradosis. Ela é usada em contextos negativos (Mt 15:2-6, Mc 7:3:13, Gl 1:13, Cl 2:8), mas também de forma positiva (1 Co 11:2; 2 Ts 2:15, 3:6). A palavra “costume” em grego é ethos, e é usada para se referir aos bons hábitos de Jesus e Paulo (Lc 4:16, At 17:2), a maus costumes (Hb 10:25), a práticas cerimoniais (At 6:14), a práticas legais e políticas (Mt 27:15, At 25:16). Percebe-se que existem tradições e costumes que edificam, mas também existem aquelas que devem ser abandonadas.
[5] “Quando os inimigos apelavam à tradição e aos costumes, ou à autoridade do papa, Lutero os enfrentava com a Bíblia, e a Bíblia somente. Aqui estavam argumentos que eles não conseguiam discutir; portanto, estes escravos do formalismo clamavam por seu sangue. ... Todavia, Lutero não caiu presa de sua fúria; Deus tinha uma obra para ele, e os anjos do Céu foram enviados para protegê-lo.” The Spirit of Prophecy, vol. 4, págs. 108 e 109.
[6] Guilherme Miller “não prosseguiu o seu trabalho sem tenaz oposição. Como acontecera com os primeiros reformadores, as verdades que apresentava não eram recebidas favoravelmente pelos ensinadores populares da religião. Não podendo manter sua atitude pelas Escrituras, viam-se obrigados a recorrer aos ditos e doutrinas de homens, às tradições dos pais da igreja. A Palavra de Deus, porém, era o único testemunho aceito pelos pregadores da verdade do advento. "A Bíblia, e a Bíblia só", era a sua senha.” Cristo em seu santuário, 61 e 62.
[7] “O mundo manifesta hoje o mesmo espírito. Os homens são contrários à pesquisa da verdade, pelo receio de que as tradições sejam perturbadas e introduzida nova ordem de coisas. Há, na humanidade, uma constante propensão ao erro e os homens naturalmente se inclinam a exaltar as idéias e o conhecimento humanos, não discernindo nem apreciando o que é divino e eterno.” Conselho sobre escola sabatina, 48.

Um comentário:

  1. O chato é q se eu resolver escrever sobre isso qq dia, vão dizer q copiei daqui! hehe

    AMEI os textos de evangelismo! Vou usar em minhas próximas confabulações sobre o assunto.

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