por Isaac Malheiros
Antes de ler, saiba que:
1) Não gosto de rock-rap-dance ou qualquer coisa estranha na igreja
2) Não gosto muito do gospel nacional
3) Seria a 4ª geração de “reformistas” na família, mas a graça de Jesus nos alcançou e libertou do legalismo.
4) Amo a minha igreja (adventista do sétimo dia)
5) Sou musico, e amo os hinos tradicionais.
O texto sobre a Campal de Indiana
Esse é um texto muito usado por adventistas na discussão sobre musica sacra:
As coisas que descrevestes como ocorrendo em Indiana, o Senhor revelou-me que haviam de ocorrer imediatamente antes da terminação da graça. Demonstrar-se-á tudo quanto é estranho. Haverá gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo. (2 ME, 36)
Algumas pessoas usam esse texto para criticar a musica cristão contemporânea produzida na IASD. Mas, contextualize o problema: olhe para as fotos aqui expostas.
Esse grupo de pioneiros numa campal se parece um bando de headbangers agitando um mosh numa rodinha punk?
Olhe para essas figuras e seus figurinos. Que tipo de musica se produzia num evento como esse?
O tipo de musica que eles tocavam na campal de Indiana pode ser ouvido ainda hoje: eles imitavam as bandas do Exercito da Salvação, de acordo com varias testemunhas oculares.
Precisamos contextualizar historicamente o ocorrido em Indiana.
As reuniões campais
O movimento milerita (antes de surgir a igreja Adventista) realizava muitas reuniões campais. Nessas reuniões, eles seguiam um modelo desenvolvido previamente pelos metodistas.
As campais eram grandes acampamentos ao ar livre. Tendas eram levantadas, cozinhas eram montadas e o povo se reunia para orar, louvar e ouvir mensagens bíblicas.
As pessoas dormiam no chão, sentavam-se em toscos bancos de madeira e partilhavam sua fé ao redor das fogueiras do acampamento. Existem relatos de campais que reuniram ate 20 mil pessoas.
O programa de uma reunião campal incluía três reuniões gerais ao ar livre por dia. Essas reuniões eram intercaladas com reuniões sociais e de oração realizadas nas tendas armadas em um semicírculo irregular em torno da principal área de reunião.
Normalmente, as reuniões gerais aconteciam ao ar livre, reunindo todo o povo. Mas em caso de mau tempo, os cultos eram realizados simultaneamente em varias tendas-sede para cada grupo de crentes de determinadas regiões.
Os excessos emocionais
Era comum nas campais evangelicas em geral acontecerem fenômenos extáticos como gritos, choro convulsivo, prostrações, saltos e “línguas estranhas”. Nas campais mileritas esse sempre foi um perigo que rondava. Existem vários relatos de excessos em reuniões mileritas.
Em 1843, por exemplo, o pastor John Starkweather promoveu o fanatismo da extrema santificação em uma das reuniões campais. Ele e seus seguidores se diziam capazes de discernir a condição do coração dos adoradores, e no meio de muito murmúrio e gemido, convidavam homens e mulheres a renunciar aos seus “ídolos”, que poderiam incluir broches, faixas, cabelo trançado, ou ate mesmo dentaduras postiças!
Os adventistas do sétimo dia
Os adventistas seguiram o costume de realizar reuniões campais. Em 1º de setembro de 1868 aconteceu a primeira reunião campal oficial dos adventistas do sétimo dia.
Repare que o perigo do emocionalismo e fanatismo ainda existia, mas a igreja não abriu mão do que seria uma benção apenas por causa do risco de se tornar uma maldição.
Esse principio nos interessa aqui.
As preocupações e temores relacionados ao fanatismo e a desordem de outras reuniões campais se confirmaram mais tarde em alguns casos (como no caso do fanatismo da “carne-santa” na campal de Indiana, em 1900). Mesmo assim, os adventistas aprenderam a separar sabiamente o "bebê" da "água suja", e não jogar tudo fora. As reuniões campais foram mantidas, e abençoaram muitas vidas.
Repetimos esse comportamento quando sabiamente separamos os malefícios da tv, do radio e da internet e usamos esses meios para anunciar poderosamente o evangelho.
No entanto, na musica, parece que o menor risco de fanatismo, por mais distante e remoto que esteja, já justifica jogar o "bebê" fora junto com a "água suja".
A ironia é que, por medo do fanatismo, adotam-se posturas fanáticas!
Tentando evitar o futuro fanatismo, produz-se mais fanatismo hoje!
Voltando ao texto sobre a Campal de Indiana
E o texto? A respeito dele, notemos alguns pontos em seu contexto:
1) O texto se refere ao que aconteceu em uma reunião campal.
2) O texto se refere ao que aconteceria futuramente em reuniões campais, não em igrejas:
“E melhor nunca ter o culto do Senhor misturado com música do que usar instrumentos músicos para fazer a obra que, foi-me apresentado em janeiro último, seria introduzida em nossas reuniões campais.” (2ME, 36)
Mas em janeiro último o Senhor mostrou-me que seriam introduzidos em nossas reuniões campais teorias e métodos errôneos, e que a história do passado se repetiria. (2ME, 37)
Você tem todo o direito de ampliar a aplicação desse texto e imaginar tudo isso acontecendo em um culto rotineiro de uma igreja adventista. Mas não é isso o que o texto diz literalmente. Faço esse alerta porque vejo alguns se apegarem extremamente ao frio literalismo em alguns pontos convenientes, enquanto abrem espaço para interpretação simbólica do texto em outros pontos.
Se realmente queremos ser honestos como o que o texto esta dizendo literalmente, devemos aplicá-lo apenas as reuniões campais, e não a cantatas, musicais, iniciativas evangelisticas como a Nova Semente, etc. Mas se queremos extrair do texto princípios norteadores, devemos junta-lo aos outros textos que falam sobre o mesmo assunto e então chegar a uma conclusão mais racional.
3) O que aconteceu em Indiana não foi num culto dentro de um templo. Isso talvez não seja importante a principio, mas é. E eu explico por que: existem muitos críticos da musica crista contemporânea que fazem distinção entre cenas bíblicas de louvor dentro do templo e fora dele. Dizem: “realmente usaram percussão no louvor, mas nunca dentro do templo!” Pois bem: O que aconteceu em Indiana foi “fora do templo”, e o texto alerta que isso se repetiria também “fora do templo”. Portanto, sejam coerentes com vossa interpretação e parem de aplicar esse texto ao que ocorre “dentro do templo”. Esse é um argumento que serve apenas para quem pensa que templo judaico e igreja cristã são a mesma coisa (claro que não são, mas isso fica para um outro post).
Obviamente, não podemos desprezar o alerta dado a respeito do retorno do fanatismo. Mas devemos sempre nos lembrar que esse não é o único texto sobre o assunto e que ele tem um contexto histórico.
Fomos alertados que o fanatismo se repetiria de várias formas.
"Tenho estudado a maneira de fazer publicar novamente esses casos antigos, de maneira que mais pessoas dentre nosso povo sejam informadas, pois de há muito tenho conhecimento de que o fanatismo se manifestará outra vez, em diferentes maneiras." (2ME, 44)
O fanatismo já apareceu de diferentes maneiras entre os adventistas no passado. E voltaria em diferentes maneiras.
Em diferentes maneiras. Talvez já esteja se manifestando, de uma maneira não esperada: esperamos o fanatismo com ar de liberalismo, mas e se ele vier com ar de “ortodoxia” e conservadorismo?
Diferentes maneiras...
Esse texto se baseou nas informações históricas do livro “Portadores de Luz – historia da Igreja Adventista do Sétimo Dia”, Richard Shwarz e Floyd Greenleaf (Unaspress, 2009).
Clique aqui para ver mais imagens adventistas históricas
"A ironia é que, por medo do fanatismo, adotam-se posturas fanáticas!"
ResponderExcluirExpressa de maneira clara e objetiva o q tenho observado cada vez mais na igreja.
Essa já entrou pro meu cadeninho mental de frases-chave. =D
Muito bom...
ResponderExcluirExcelente artigo Isaac!
ResponderExcluirGostei da frase contra o literalismo unilaleral. Pura verdade!
Pra quem quiser ampliar ainda mais o contexto histórico dessa passagem, leia o artigo Ellen White Era Contra a Bateria? disponível aqui:
http://www.adventismorelevante.com/2009/05/ellen-white-era-contra-bateria.html
Abraços
Gostei do seu blog, Vanessa!
ResponderExcluirGostaria de questionar o autor no seguinte ponto:
O Exército da Salvação não era uma organização adventista, certo? Então os adventistas COPIARAM as músicas e estilo cúltico daquela igreja, certo?
Não é, exatamente, o que ocorre hoje com a música adventista pendurada na muleta gospel norte americana?
COPIAR música e culto de outras denominações foi o q a IASD nunca deixou de fazer, desde o seu nascimento.
ResponderExcluirOu a IASD criou um estilo totalmente novo de culto? A liturgia da IASD é toda metodista. As músicas dela, desde EGW, vem de batistas, presbiterianos, etc.
Não sei o pq fazem tanto fuzuê com algo q sempre aconteceu. A não ser q a IASD já tenha nascido apostatada.
Acontece que nós não copiamos só os bons exemplos! COPIAR virou regra, ao invés de exceção!
ResponderExcluirA questão é q SEMPRE foi regra. Sei de apenas duas coisas q a IASD não copiou: pequenos grupos e estudos bíblicos em forma de perguntas. O resto: liturgia, música, escola sabatina, etc. TUDO copiado.
ResponderExcluirA questão é q parece q a cópia, em si, é algo errado. Tb parece q só se começou a copiar agora.
"Não é exatamente o q ocorre hj com a música adventista pendurada na muleta gospel americana?"
Sim, o q ocorre hj e SEMPRE ocorreu, desde a época de EGW, e ela nunca pareceu se importar com isso.
Aliás, se houve um tempo em q a música adventista esteve emancipada da de outras denominações, esse tempo é hj.
Temos muitos compositores adventistas (sim, esses mesmos q são rechaçados Brasil afora), ao contrário da época de EGW.
Veja qtos hinos da época dela no hinário, veja qtos são de compositores adventistas.
Aliás, pesquise sobre os hinos preferidos dela. Fossem compostos hj, seriam impedidos de serem cantados em mtas igrejas, simplesmente por não serem "adventistas".
Ec7:10.
Sinto muito que você tenha deixado a reforma por pensar que não passa de uma igreja de fanáticos. Você pode pegar diversos textos e usa-los da forma que se torne justificáveis seus atos mas nada vai mudar a verdade, a verdade que nosso Deus nos deixou através de Ellen White, que não só na questão da musica mas em todos os demais aspectos.Acreditar nisso é mais fácil, não nego, mas Cristo nos pede uma forma especial de adoração, e como filhos Dele devemos cumprir como Ele nos deixou e não buscar justificativas para fazermos o que queremos e da forma que queremos.Fazer a vontade de Deus não nos torna alienados mas sim mais próximos de Dele.Espero que um dia possa repensar os seus ideais e então finalmente te encontrarei no céu.
ResponderExcluir"Espero que um dia possa repensar os seus ideais e então finalmente te encontrarei no céu." Uau rsrs
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