sábado, 27 de março de 2010

Isso é Páscoa

Essa é uma das encenações das capelas de Páscoa.
A música é "Set me free" do Casting Crowns

segunda-feira, 22 de março de 2010

Deus existe: o argumento teleológico

Obs.: várias pessoas me enviaram mensagens discordando desse meu argumento TEOlógico. No entanto, esse é um argumento TELEOlógico (objetivos, finalidades). A leitura apressada às vezes provoca isso. Mas isso foi sintomático: mostrou-me que cristãos e ateus precisam conhecer mais sobre teologia natural, filosofia e apologia. Parece que eu escrevi grego aqui...

A inferência do design

Nos ombros de Hume e Darwin, ateus comemoraram muito cedo a morte do argumento teleológico a favor da existência de Deus.

À medida que a microbiologia avança e revela a estupenda complexidade da “micromaquinaria” de uma única célula, sem falar em organismos de nível mais elevado, a explicação neodarwinista vai sendo desafiada e forçada a se reorganizar em sínteses teóricas.

Tirando a frescura histérica dos evolucionistas ateus, que tem sido extremamente relutantes em sequer considerar a hipótese de design, a fim de não permitir a entrada de um pé criacionista pela porta, sugiro aqui uma análise introdutória do argumento teleológico do design. Aparentemente, os cosmólogos estão mais abertos a considerar seriamente a alternativa do design que os biólogos.

O filósofo John Leslie propõe a seguinte ilustração:

Suponha que Bob ganhou um carro de aniversário. Existem milhões de combinações de letras e números para a placa do seu carro; portanto é altamente improvável que Bob conseguisse a placa CHT 4271 (ou qualquer outra).

No dia do seu aniversário, essa placa não geraria nenhum interesse especial. Mas suponha que Bob, nascido em 8/8/1949, ganhe um carro com a placa BOB 8849. Ele seria tolo se desprezasse isso dizendo “Bem, o carro precisava ter alguma placa e qualquer número seria igualmente improvável... Foi acaso.”

O primeiro argumento teleológico do design que gostaria de apresentar é o do ajuste fino. As leis físicas da natureza apresentam constantes que aparentemente foram ajustadas de modo a tornar o universo apto para a vida. Pequenos desvios nessas constantes e quantidades universais tornariam a vida impossível no universo. Em palavras bem simples, o ajuste fino do universo parece manifestar a presença de uma inteligência planejadora. Nesse caso, a inferência do design é a melhor explicação.

O argumento teleológico do ajuste fino pode ser apresentado da seguinte forma:
1- O ajuste fino do universo se deve à necessidade física, ao acaso ou ao desígnio.
2- Ele não é devido à necessidade física e nem ao acaso
3- Portanto, ele se deve ao desígnio.

A premissa 1) parece estar correta, pois não existem outras alternativas. Então, o argumento depende da premissa 2), mas não pretendo analisar essa premissa aqui. É sobre essa premissa que o debate se concentra, e existem excelentes argumentos filosóficos e científicos que mostram a validade dela.

A implicação imediata da hipótese do design é a existência de um Projetista Cósmico que promoveu o ajuste fino nas condições iniciais do universo para suportar vida inteligente. Tal hipótese fornece uma explicação pessoal do ajuste fino do universo. Essa é uma explicação plausível?

Os opositores do design às vezes levantam objeções dizendo que, nessa hipótese, o próprio Projetista Cósmico continua sem explicação. Diz-se que a mente inteligente também exibe uma ordem complexa, de modo que, se o universo precisa ser explicado, do mesmo modo o seu Projetista. Se o Projetista não precisa de explicação, então por que achar que o universo precisa?
Essa objeção popular está baseada num conceito errôneo da natureza da explicação. Reconhece-se que a melhor explicação não precisa ter uma explicação para a explicação (na verdade, tal exigência geraria uma regressão infinita, de modo que todas as coisas se tornariam inexplicáveis).

Se os astronautas encontrarem artefatos desconhecidos (traços de vida inteligente) em algum outro planeta, por exemplo, não precisamos ser capazes de explicar detalhadamente os extraterrestres para reconhecer que eles são a melhor explicação para os artefatos. Do mesmo modo, definir a hipótese do design como a melhor explicação para o ajuste fino não depende de nossa capacidade de explicar o Projetista.

Assim, o argumento teleológico baseado no ajuste fino do estado inicial do universo se sai muito bem como argumento sólido e persuasivo a favor do Projetista do cosmos.



Baseado no livro de J. P. Moreland e William Lane Craig, Filosofia e cosmovisão cristã, 587-596.

Zeitgeist ainda faz discípulos

Eu sei que o filme Zeitgeist já foi surrado de tudo quanto é lado e em todas as teses e suspeitas que levanta. Mesmo assim, parece-me que o fã clube ateu-adolescente de Zeitgeist continua a crescer. É incrível como repetem as mesmas acusações absurdas contra o cristianismo que viram no filme...

Sobre o suposto paralelo entre Jesus e o mito de Hórus, assista a seguinte entrevista:


PS: se alguém tiver a fim de ganhar uns dólares, basta comprovar as alegações estapafúrdias de Zeitgeist nesse link.

sábado, 20 de março de 2010

A auto-ilusão ateísta

William Lane Craig, em debate com Cristopher Hitchens, responde a questão sobre o sentido da vida, e como o ateu é obrigado por sua cosmovisão a se iludir a fim de continuar vivendo: criar "sentidos da vida" subjetivos, pois objetivamente a via não tem sentido no ateísmo.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Dietrich Bonhoeffer: gratidão pelas coisas triviais

Você deve conhecer Dietrich Bonhoeffer, o pastor luterano que se opôs ao nazismo e pagou caro por isso: foi preso e martirizado pelo Terceiro Reich de Hitler.

Dentre muitas lições, podemos extrair de suas obras (especialmente sua biografia) a lição da gratidão pelas coisas simples. O livro Resistência e Submissão: Cartas e Anotações Escritas na Prisão (Editora Sinodal) traz relatos cheios de agradecimentos por coisas triviais. Bonhoeffer agradeceu por um passarinho que o alegrava na prisão:
"Aqui no pátio da prisão há um tordo que todas as manhãs canta que é uma beleza. Agora ele começou a cantar também à noite. A gente sente gratidão por essas coisinhas, e isso também é um ganho. Adeus por enquanto!"
Um dia, ele recebeu a breve visita de alguns amigos na prisão. Esse evento tão simples adquiriu uma magnitude impressionante por causa das circunstâncias, e Bonhoeffer relata de modo comovente:
"Então de fato aconteceu! É verdade, foi tudo muito breve, mas isso não importa. Nem mesmo uma ou duas horas seriam suficientes. Depois que estamos isolados do mundo por muito tempo, nos tornamos tão receptivos que até mesmo alguns minutos nos dão o que pensar por longos dias.

Muitas vezes vou lembrar como as quatro pessoas que são meus amigos mais próximos e queridos estiveram aqui me visitando. Quando depois voltei á cela, fiquei andando de cá para lá por uma hora inteira, enquanto o jantar que me esperava sobre a mesa ia esfriando. No fim, acabei rindo quando me surpreendi dizendo diversas vezes : 'como foi maravilhoso!'".
Ele descreve como "indescritível" o simples fato de poder ver o charuto que seu amigo Karl Barth esqueceu sobre a mesa.

Os pequenos presentes que a vida nos oferece não podem passar despercebidos. Nos tornamos vivos e livres quando somos gratos, e agradecemos, pelas coisas triviais.

Resumido por Jair Oliveira - Coisas Fáceis (linda canção...)

terça-feira, 16 de março de 2010

Desça Morte!

Para ilustrar o post "O que a arte pode fazer por nós", gostaria que você ouvisse um poema.
Sem querer discutir teologia (a doutrina do estado do homem na morte), apresento-vos o poema de James W. Johnson interpretado por Wintley Phipps.
Com certeza, a arte pode fazer coisas em nós.

João Alexandre e Fruto Sagrado

Fruto Sagrado é pra mim a melhor banda de rock com mensagem cristã do Brasil.
Se você tem preconceitos quanto ao chamado rock gospel, faça um exercício de comparação e tente achar letras tão bem elaboradas e contundentes no mainstream gospel.
Surpesa! Os roqueiros muitas vezes dão um banho teológico (e até mesmo de testemunho vivo) nos artistas que a gente acha "normais".

Essa canção me impactou a alguns anos, especialmente por perceber o timbre do João Alexandre ali no meio. A letra tem tudo a ver com o que estamos vivendo.
Destaque para a oração no final:

"Nos perdoe, ó Deus
Pelo imperialismo, o nazismo, o comunismo,
O capital selvagem, impiedoso, inescrupuloso
A escravidão... a religião...
Sempre querendo te domesticar
Te encaixotar, te fazer de empregadinho
Perdão, por tanto fariseu se dizendo filho teu
Que não convenceu, que só dividiu
Levando muita gente boa pro covil
Nos perdoe, ó Deus, pelo terrorismo
O holocausto, a pornografia, a pedofilia
A mentira! O dinheiro mal adquirido e mal repartido
A discriminação racial, social, irracional...
Nos perdoe, ó Deus!

O que a arte pode fazer por nós?

Eu gosto da cultura popular, da música popular, dos ditados populares e até da sabedoria (muitas vezes tola) popular. Me fascina o modo como surgem mitos, boatos, jargões, gírias e “melôs”. No entanto, há um império comercial estabelecido em torno disso. Há uma exploração e até mesmo uma imposição da besteira popular que parece um poço sem fundo.

Já escrevi aqui algo sobre Dorothy Sayers, genial escritora de ficção policial. Ela chama de “esnobismo do banal” o desprezo que a cultura popular, inclusive a cultura popular religiosa, estimula com relação ao que é tido como “elitizado”. Gente que despreza a música erudita como sofisticada, que dá primazia ao culto indolente, que sempre prefere a televisão a um livro, e que procura a arte sobretudo (senão apenas) como decoração.

O que a arte pode fazer por nós além de nos entreter, enfeitar nossas salas e nos servir de passatempo?

James Elroy Flecker disse: “Não cabe ao poeta salvar as almas dos homens, mas cabe-lhe torná-las dignas de salvação”.

Em 1962, o ex-editor da revista literária Novy mir, Alexandre Tvardovski, pegou alguns manuscritos para ler na cama. Foi passando as páginas rapidamente, fazendo anotações e jogando a maior parte dos textos no lixo. Então surgiu um manuscrito de um autor que ele desconhecia, com o simples título "Um dia na vida de Ivan Denisovich". Ele leu dez linhas.
Depois, como ele mesmo conta,
“de repente senti que não podia ler aquele manuscrito daquele jeito. Precisava fazer algo apropriado para a ocasião. Levantei-me. Vesti o meu melhor terno escuro, uma camisa branca de colarinho engomado, uma gravata e calcei os melhores sapatos. Em seguida, sentei-me à escrivaninha e li um novo clássico”.
É isso o que a arte pode fazer por nós.


Resumido por Leonardo Gonçalves - Poemas e Canções

segunda-feira, 15 de março de 2010

John Weidner: o Schindler adventista

André Trocmé

As histórias extraordinárias do pastor André Trocmé e de John Weidner são boas ilustrações de cristãos que tiveram coragem para preocupar-se durante o holocausto. Trocmé, um clérigo protestante, abriu sua pequena cidade, Lê Chambon Sur Lignon, no Sul da França, para os judeus e os protegeu. Sua esposa Magda Trocmé escreveu:
"Meu marido voltou à vila e falou com o conselho da igreja, e eles disseram: 'Ok, prossiga'. Logo depois, eles estavam dispostos a ajudar. nem sempre concordavam cem por cento com tudo o que meu marido dizia, mas concordavam em geral com ele, e assim ajudavam."[1]
André e Magda Trocmé


John Weidner, um membro leigo da Igreja Adventista do Sétimo Dia, organizou a rede de comunicações Holanda-Paris e salvou cerca de 800 judeus, 100 aviadores aliados e muitas outras pessoas que fugiam da tirania nazista.[2] Lembro-me de perguntar a John: "Por que você assumiu tal risco?" Sua resposta foi: "Como um cristão adventista, eu não poderia aceitar ver passivamente os valores que eu servia serem aniquilados".[3]

Em The Courage to Care, Weidner explica sua decisão:
"Eu me lembro de estar na estação ferroviária em Lyon, onde eu vi um grupo de mulheres e crianças judias que haviam sido presas e que estavam sendo deportadas para o leste. Uma mulher tinha um bebê em seus braços. O bebê começou a chorar e fez muito barulho na estação. O oficial da SS que estava no comando ordenou à mulher que fizesse o bebê parar de chorar, mas ela não conseguia fazer. O oficial tomou o bebê dos braços daquela mulher, esmagou o bebê no chão e prensou sua cabeça. Ouvimos o grito de dor daquela mãe. Foi algo terrível. E o tempo todo, os oficiais da SS ficaram em volta, rindo."

Este evento teve tanto impacto em Weidner, que ele tomou sua decisão: "Quando vi tais coisas acontecendo aos judeus, foi algo tão oposto ao meu conceito de vida, a tudo o que fui ensinado a acreditar, que eu senti que era meu dever em consciência ajudar a essas pessoas".[4]
Depois da guerra, Weidner não tentou tirar vantagem de ações passadas. Levou tempo antes que viesse um reconhecimento universal. Ele se descreveu como uma pessoa comum e acrescentou: "Eu só fiz o que tinha que fazer, o que minha consciência e ética me obrigaram a realizar".[5]


O que Tec escreveu sobre a Polônia pode ser aplicado a muitos outros países: "De fato, em nome da religião, alguns católicos protegeram os judeus, outros permaneceram indiferentes ao sofrimento deles e outros os denunciaram".[6] Uma declaração forte das igrejas oficiais a favor dos perseguidos teria salvo muitos mais dos nazistas. Quem pode argumentar contra essa realidade?

Sendo um cristão, também sou um membro da família cristã. aqueles que confessam a Cristo são meus irmãos e irmãs. Não posso excluir os pecadores da minha família. Não posso esquecer a maioria infiel e me identificar apenas com a minoria fiel.

O que aprendemos com Auschwitz? Aprendemos a ser construtores de pontes. Auschwitz não deveria ser uma desculpa para o Estado de Israel violar os direitos humanos, discriminar os não-judeus ou restringir a liberdade religiosa. Por outro lado, Auschwitz deveria impedir que os cristãos encontrassem novas roupas para encobrir um anti-semitismo latente. Deveria nos ensinar a ser proativos ao defender os direitos humanos. O que aconteceu ao povo judeu pode acontecer a outras minorias. Preconceitos contra outras minorias religiosas e étnicas ou assim chamadas seitas ainda estão ativos. Um ódio latente e constante ainda reside no fundo do coração humano contra aqueles que são diferentes.

Em resumo: Auschwitz deveria me ajudar a levar minhas crenças e valores cristãos a sério e a recusar a vender minha alma ao diabo por preconceito ou ideologia.

Gosto do modo como meu falecido amigo John Weidner concluiu seu testemunho em The Courage to Care:
"Durante nossas vidas, cada um de nós enfrenta uma escolha: pensar somente em si mesmo, ou servir, ser útil àqueles que estão em necessidade... Se eu tenho um herói, é Deus, que tem me ajudado a cumprir minha missão, a cumprir meus deveres, a fazer o que tenho que fazer. mas para mim mesmo, sou uma pessoa simples. Durante a guerra, fiz o que penso que todos deveriam ter feito".[7]


Leia também "Auschwitz e a responsabilidade dos cristãos" parte 1, parte 2 e parte 3
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[1] Magda Trocmé, Le Chambon, em Rittner, p. 103.
[2] A título de comparação, Oskar Schindler salvou cerca de 1200 judeus.
[3] John Graz, Réussir as vie, Vie et Santé (Dammarie-les-Lyz, France, 1992), p. 133.
[4] John Weidner, em Rittner, p. 59.
[5] Ibid, p. 64.
[6] Tec, p. 148.
[7] John Weidner, em Rittner, p. 65. Para um artigo completo sobre Weidner, leia Running From Death. Acesse também o site do John Henry Weidner Foundation

quinta-feira, 11 de março de 2010

A Criação, por Wintley Phipps

Texto poético sobre a Criação, interpretado pelo pastor e músico adventista Wintley Phipps.
Amazing!



Veja também Wintley Phipps em "Cristianismo e Escravidão"

terça-feira, 9 de março de 2010

Auschwitz e a responsabilidade dos cristãos - 3

Os cristãos fizeram tudo o que podiam?

Elie Wiesel escreveu:
“As vítimas pereceram não somente por causa dos assassinos, mas também por causa da apatia dos espectadores. Aqueles que pereceram foram vítimas do Nazismo e da sociedade omissa, embora em níveis diferentes. O que nos surpreendeu grandemente depois do tormento, depois da tempestade, não foi que tantos assassinos mataram tantas vítimas, mas que tão poucos se importaram conosco de qualquer modo”.[1]
Os cristãos fizeram tudo o que podiam? Todo mundo sabe a resposta. Eles não fizeram! Por que as igrejas não se opuseram energicamente aos nazistas desde o começo? Havia milhões de cristãos nesses países. Se eles quisessem, poderiam ter se oposto seriamente à “solução final” dos nazistas. Mas não houve demonstrações em massa nas ruas de Berlim, Munique ou Viena quando as primeiras leis anti-semitas foram aprovadas. Nenhuma coalizão cristã forte e popular surgiu para combater tal ideologia abertamente anti-cristã. E o poderoso Papado fez muito pouco.

Mobilizando-se para coisas secundárias

Alguns anos atrás vimos, numa França muito secularizada, um milhão de católicos na rua para defender as escolas católicas. Em Munique, quase o mesmo número se manifestou para protestar contra a decisão de remover o crucifixo de escolas públicas e hospitais. Crucifixos!

Sessenta anos atrás as igrejas tinham muito mais influência na sociedade européia do que agora. Elas tinham a capacidade de fazer muito mais. Negligenciaram fazer o que era necessário para salvar milhões de pessoas inocentes.

Era possível fazer mais? Sim, sabemos que era. Pois na Alemanha, quando os nazistas quiseram implementar seu programa de eutanásia para eliminar os assim chamados “deficientes mentais”, as igrejas reagiram – pois agora as vítimas não seriam apenas judeus. O programa foi parado pelo esforço unido de bispos católicos e líderes protestantes.[2]

Iniciativas isoladas e individuais

Apesar das tristes realidades detalhadas acima, não devemos esquecer aqueles cristãos que fizeram alguma coisa, aqueles que ajudaram. Milhões – jovens e velhos, homens e mulheres – lutaram contra a máquina de extermínio nazista. Sem eles, Auschwitz teria durado até que sua meta tivesse sido alcançada. Muitos cristãos recusaram na prática a ideologia racista prevalecente.

Não devemos nos esquecer dos líderes dos países que mobilizaram seu povo na guerra em oposição à perseguição anti-semita. Nechama Tec escreveu: “A lei que exigia que os judeus usassem a estrela amarela de Davi foi atacada com vigor. Sob pressão, o governo teve que voltar atrás”.[3] A Dinamarca fez o mesmo, e os nazistas “foram relutantes em tentar punir uma nação inteira”.[4] Na Polônia, “o silêncio da igreja oficial não impediu alguns clérigos de arriscar suas próprias vidas pelos judeus”.[5]

Muitos daqueles que decidiram proteger os judeus estavam convencidos de que essa era uma “obrigação cristã”.

CONTINUA...
Leia também a parte 1 e a parte 2
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[1] Elie Wiesel, Why Were There So Few?, em Carol Rittner and Sondra Myers, The Courage to Care (New York: New York University Press, 1986), p. 125. Um discurso de Wiesel sobre os perigos da indiferença diante de injustiças e atrocidades pode ser lido aqui.
[2] Irving Greenberg, The Righteous Rescuers, em Rittner e Myers, p. 4.
[3] Nechama Tec, When the Light Pierced the Darkness (Oxford and New York: oxford University Press, 1986), p. 147.
[4] Greenberg, p. 12.
[5] Tec, p. 147.

Auschwitz e a responsabilidade dos cristãos - 2

Auschwitz foi criado em 1940 como um campo de detenção para poloneses. Em 1941, uma extensão foi construída para judeus. O real propósito do campo era extermínio humano. Foi um extermínio bem pensado e sistemático com câmaras de gás no fim do caminho. Abrindo o livro, pensei em Auschwitz, olhei para uma foto de três menininhas indefesas. [1] Elas estão olhando para a câmera, apenas alguns minutos antes de serem conduzidas á morte na câmara de gás. Se eu tivesse estado lá, será que teria tido a audácia de lhes dizer: “Como cristão, penso que não temos responsabilidade alguma”? Abaixo da foto está a legenda: “KL Auschwitz II – Birkenau. Mulhereres e crianças judias da Hungria esperando a morte nas câmaras de gás.”

A foto foi tirada por um soldado da SS em 1944. Será que ele cresceu numa família cristã? Ele ia à igreja e aprendia a história de Jesus? Quando pressionou o botão, ele pensou que essas crianças judias tinham que pagar porque eram assassinas de Cristo? Para essas garotinhas não havia escolha, somente um caminho direto para a morte, simplesmente porque eram judias. O oficial que tirou a foto não era um amigo, mas como as meninas poderiam imaginar que alguns minutos depois ele as forçaria a entrar na câmara de gás – simplesmente porque eram judias?

Em 1979, durante sua visita a Auschwitz, o papa João Paulo II disse que o campo foi construído sobre a negação da fé em Deus e na humanidade, sobre uma violação total do amor, sobre o ódio e o desprezo da humanidade em favor de uma ideologia louca.[2] É verdade que essas atrocidades aconteceram na Europa, em países de forte tradição, cultura e história cristãs. Auschwitz não aconteceu em países sob o regime soviético. Auschwitz não aconteceu em países muçulmanos. Por que?

Em seu artigo “The Holocaust and the Christians”[3], Franklin H. Littell escreveu:
“Um fato importante, frequentemente esquecido tanto por estudiosos cristãos como por judeus em discussões sobre os cristãos e o holocausto, está aqui: a ‘cristandade’ em que aproximadamente seis milhões de judeus foram assassinados por ‘nações cristãs’ foi uma ‘cristandade’ com uma religião legalmente estabelecida, embora seu apelo e autoridade estivesse em acentuado declínio.”
Auschwitz era o clímax de uma história profunda e de séculos de discriminação, perseguição e massacres. Os nazistas não inventaram o anti-semitismo. O anti-semitismo latente e generalizado meramente ajudou sua ideologia a crescer. Nos países nominalmente cristãos os judeus eram vistos como um problema. Os nazistas vieram com sua solução – a solução final. Em vez de discriminar, perseguir e matar de vez em quando, eles queriam resolver o problema de uma vez por todas. Planejavam eliminar os judeus. Certamente, eles não eram essencialmente cristãos, mas fizeram uso do “anti-semitismo cristão” que existia.

Em seu livro Origins of anti-Semitism[4], John G. Gager questiona “se o próprio cristianismo era, em sua essência e desde o seu início, a fonte primária de anti-semitismo na cultura ocidental”. No início, os cristãos eram judeus. Então tornaram-se anti-judeus. R. Ruether escreveu: “Para o cristianismo, o anti-judaísmo não foi meramente uma defesa contra ataques, mas uma necessidade intrínseca de auto-afirmação cristã.”[5]

O anti-judaísmo se tornou um fato no 4º século. Em 386 d.C., João Crisóstomo fez oito sermões que atacaram o judaísmo na cidade de Antioquia. Resumindo, ele disse: "O que mais posso dizer? Brutalidade, ganância, deslealdade aos pobres, roubos, manutenção de tavernas. O dia todo não seria suficiente para falar de todas essas coisas.”[6]

Jules Isaac, historiador francês que perdeu sua família no Holocausto, escreveu: “Eu digo e mantenho que a destruição de Israel não assumiu um caráter verdadeiramente desumano até o quarto século d.C. com a vinda do Império Cristão.”[7]

E as coisas pioraram com as Cruzadas e a Inquisição. Em Cracóvia, em 1412, um padre anunciou que os judeus haviam assassinado uma criança judia. Esse anúncio foi seguido por um massacre em grande escala, espoliação e a queima de propriedade judia.[8]

Em seu livro Boire aux sources, Jacques Doukhan mencionou três pontos de referência na história do anti-semitismo:
1) O século 4, a data de nascimento. Os judeus são chamados de “assassinos de Cristo”, são acusados de “deicídio”;
2) O século 9, com as Cruzadas;
3) Os séculos 19 e 20 como sua conotação racial.
Doukhan descreve o desenvolvimento histórico do anti-semitismo por meio de um sistema cristão de perseguições que resultaram no incrível Holocausto.[9]

Como cristãos, temos que reconhecer nossa responsabilidade nesse genocídio. Não podemos simplesmente dizer “Não fui eu! Não tenho nada a ver com isso!” Em alguma parte eu tenho responsabilidade hoje. Concordo com Littell quando ele escreve: “Na verdade, a forma como os cristãos se relacionam com o povo judeu depois de Auschwitz não é uma questão de simples preconceito: tornou-se uma questão de salvação.”[10]

Famosa foto de uma mulher e três crianças judias caminhando para a câmara de gás

CONTINUA...
Leia também a parte 1.
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[1] Teresa and Henryk Swiebocki, Auschwitz: Lês voix des ténèbres (Editions Parol, Carcovic, Pologne), p. 56.
[2] Ibid., p. 5.
[3] Franklin H. Littell, “The Holocaust and the Christians”, Journal of Church and State 41, no. 4, (Outono de 1999): 733.
[4] John G. Gager, The Oringins of Anti-Semitism (Oxford and New York: Oxford Universtity Press, 1983), p. 13.
[5] R. Ruether, Faith end Fraticide: The Theological Roots of Anti-Semitism (New York: Seabury Press, 1974), p.3.
[6] Ibid., Verus Israel, 1.6, 1.7.
[7] Littell, p. 728
[8] Nechama Tec, When the Light Pierced the Darkness (Oxford and New York: Oxford University Press, 1986), p. 147.
[9] Jacques Doukhan, Boire aux sources (em Sdt, Dammarie-les-Lys, France, 1977), p.51.
[10] Littell, p. 728.

Auschwitz e a responsabilidade dos cristãos - 1


Uma acusação frequentemente lançada sobre o cristianismo é a atuação dos cristãos durante a campanha nazista e nos campos de concentração. Eu vou publicar aqui algumas reflexões do Dr. John Graz, diretor do Departamento de Assuntos Políticos e Liberdade Religiosa da igreja Adventista mundial. Ele também atua como intermediário das Nações Unidas. O objetivo não é defender o cristianismo dessas acusações, mas levar os cristãos a uma sensível reflexão sobre suas responsabilidades sociais. Boa leitura.

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Como alguém que nasceu algumas semana depois do fim da 2ª Guerra Mundial, não acho fácil lidar com o tema de ser cristão depois de Auschwitz.

Cristão” e “Auschwitz” são totalmente opostos. Para o crente, ser cristão significa ser bom, honesto e justo. Significa amar nossos inimigos e próximos como a nós mesmos. Um cristão vive para o reino de Deus, Auschwitz foi o reino do mal. Como então podemos assumir o risco de associar essas duas palavras? Ser cristão antes de Auschwitz é diferente de ser cristão depois de Auschwitz?

Como discípulo de Jesus, minha primeira reação seria recusar responder esta questão e qualificá-la como inapropriada. Auschwitz foi o inferno na terra construído para filhos de demônios. Se tivesse vindo ao mundo no século 20, Jesus poderia muito bem ter sido um judeu em Auschwitz. Ele teria sofrido humilhação e tortura e seria mandado para a câmara de gás.

Estou inclinado a pensar, como muitos outros pensam, que o mundo está dividido entre o bem e o mal, o certo e o errado, e, dessa forma, pode-se encontrar cristãos verdadeiros e falsos. No cristianismo tem-se os fiéis e os infiéis, como em todas as outras religiões. Conforme Victor Frankl declarou:
“Podemos aprender que há duas raças de homens nesse mundo, mas somente essas duas. A ‘raça’ do homem decente, e a ‘raça’ do homem indecente.”[1]
Desse ponto de vista não há “antes de Auschwitz” ou “depois de Auschwitz” para o cristão.
Contudo, eu ainda me pergunto se não haveria mais do que isso para ser dito. Talvez algumas questões complementares ajudariam a cristalizar o assunto de como ser cristão depois de Auschwitz:

Os cristãos tinham responsabilidade?
O que eles aprenderam que poderia ajudá-los a evitar outro Auschwitz?

CONTINUA...
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[1] Harry James Cargas, Reflections of a Post-Auschwitz Christian (Detroit, MI: Wayne State University Press, 1989).

John Graz é cidadão da Suíça e da França. Teólogo, historiador e sociólogo com doutorado pela Sorbonne, em Paris. Durante a 2ª Guerra Mundial, três de seus tios e uma tia serviram como voluntários no exército que lutou com os aliados. Um foi morto. O seu avô morreu no campo de concentração em Dachau algumas semanas antes da libertação. Ele havia sido preso e enviado ao campo de concentração sem ser julgado. O crime do avô: abrir sua porta para os que estavam fugindo dos nazistas – judeus e membros da Resistência Francesa.