terça-feira, 9 de março de 2010

Auschwitz e a responsabilidade dos cristãos - 2

Auschwitz foi criado em 1940 como um campo de detenção para poloneses. Em 1941, uma extensão foi construída para judeus. O real propósito do campo era extermínio humano. Foi um extermínio bem pensado e sistemático com câmaras de gás no fim do caminho. Abrindo o livro, pensei em Auschwitz, olhei para uma foto de três menininhas indefesas. [1] Elas estão olhando para a câmera, apenas alguns minutos antes de serem conduzidas á morte na câmara de gás. Se eu tivesse estado lá, será que teria tido a audácia de lhes dizer: “Como cristão, penso que não temos responsabilidade alguma”? Abaixo da foto está a legenda: “KL Auschwitz II – Birkenau. Mulhereres e crianças judias da Hungria esperando a morte nas câmaras de gás.”

A foto foi tirada por um soldado da SS em 1944. Será que ele cresceu numa família cristã? Ele ia à igreja e aprendia a história de Jesus? Quando pressionou o botão, ele pensou que essas crianças judias tinham que pagar porque eram assassinas de Cristo? Para essas garotinhas não havia escolha, somente um caminho direto para a morte, simplesmente porque eram judias. O oficial que tirou a foto não era um amigo, mas como as meninas poderiam imaginar que alguns minutos depois ele as forçaria a entrar na câmara de gás – simplesmente porque eram judias?

Em 1979, durante sua visita a Auschwitz, o papa João Paulo II disse que o campo foi construído sobre a negação da fé em Deus e na humanidade, sobre uma violação total do amor, sobre o ódio e o desprezo da humanidade em favor de uma ideologia louca.[2] É verdade que essas atrocidades aconteceram na Europa, em países de forte tradição, cultura e história cristãs. Auschwitz não aconteceu em países sob o regime soviético. Auschwitz não aconteceu em países muçulmanos. Por que?

Em seu artigo “The Holocaust and the Christians”[3], Franklin H. Littell escreveu:
“Um fato importante, frequentemente esquecido tanto por estudiosos cristãos como por judeus em discussões sobre os cristãos e o holocausto, está aqui: a ‘cristandade’ em que aproximadamente seis milhões de judeus foram assassinados por ‘nações cristãs’ foi uma ‘cristandade’ com uma religião legalmente estabelecida, embora seu apelo e autoridade estivesse em acentuado declínio.”
Auschwitz era o clímax de uma história profunda e de séculos de discriminação, perseguição e massacres. Os nazistas não inventaram o anti-semitismo. O anti-semitismo latente e generalizado meramente ajudou sua ideologia a crescer. Nos países nominalmente cristãos os judeus eram vistos como um problema. Os nazistas vieram com sua solução – a solução final. Em vez de discriminar, perseguir e matar de vez em quando, eles queriam resolver o problema de uma vez por todas. Planejavam eliminar os judeus. Certamente, eles não eram essencialmente cristãos, mas fizeram uso do “anti-semitismo cristão” que existia.

Em seu livro Origins of anti-Semitism[4], John G. Gager questiona “se o próprio cristianismo era, em sua essência e desde o seu início, a fonte primária de anti-semitismo na cultura ocidental”. No início, os cristãos eram judeus. Então tornaram-se anti-judeus. R. Ruether escreveu: “Para o cristianismo, o anti-judaísmo não foi meramente uma defesa contra ataques, mas uma necessidade intrínseca de auto-afirmação cristã.”[5]

O anti-judaísmo se tornou um fato no 4º século. Em 386 d.C., João Crisóstomo fez oito sermões que atacaram o judaísmo na cidade de Antioquia. Resumindo, ele disse: "O que mais posso dizer? Brutalidade, ganância, deslealdade aos pobres, roubos, manutenção de tavernas. O dia todo não seria suficiente para falar de todas essas coisas.”[6]

Jules Isaac, historiador francês que perdeu sua família no Holocausto, escreveu: “Eu digo e mantenho que a destruição de Israel não assumiu um caráter verdadeiramente desumano até o quarto século d.C. com a vinda do Império Cristão.”[7]

E as coisas pioraram com as Cruzadas e a Inquisição. Em Cracóvia, em 1412, um padre anunciou que os judeus haviam assassinado uma criança judia. Esse anúncio foi seguido por um massacre em grande escala, espoliação e a queima de propriedade judia.[8]

Em seu livro Boire aux sources, Jacques Doukhan mencionou três pontos de referência na história do anti-semitismo:
1) O século 4, a data de nascimento. Os judeus são chamados de “assassinos de Cristo”, são acusados de “deicídio”;
2) O século 9, com as Cruzadas;
3) Os séculos 19 e 20 como sua conotação racial.
Doukhan descreve o desenvolvimento histórico do anti-semitismo por meio de um sistema cristão de perseguições que resultaram no incrível Holocausto.[9]

Como cristãos, temos que reconhecer nossa responsabilidade nesse genocídio. Não podemos simplesmente dizer “Não fui eu! Não tenho nada a ver com isso!” Em alguma parte eu tenho responsabilidade hoje. Concordo com Littell quando ele escreve: “Na verdade, a forma como os cristãos se relacionam com o povo judeu depois de Auschwitz não é uma questão de simples preconceito: tornou-se uma questão de salvação.”[10]

Famosa foto de uma mulher e três crianças judias caminhando para a câmara de gás

CONTINUA...
Leia também a parte 1.
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[1] Teresa and Henryk Swiebocki, Auschwitz: Lês voix des ténèbres (Editions Parol, Carcovic, Pologne), p. 56.
[2] Ibid., p. 5.
[3] Franklin H. Littell, “The Holocaust and the Christians”, Journal of Church and State 41, no. 4, (Outono de 1999): 733.
[4] John G. Gager, The Oringins of Anti-Semitism (Oxford and New York: Oxford Universtity Press, 1983), p. 13.
[5] R. Ruether, Faith end Fraticide: The Theological Roots of Anti-Semitism (New York: Seabury Press, 1974), p.3.
[6] Ibid., Verus Israel, 1.6, 1.7.
[7] Littell, p. 728
[8] Nechama Tec, When the Light Pierced the Darkness (Oxford and New York: Oxford University Press, 1986), p. 147.
[9] Jacques Doukhan, Boire aux sources (em Sdt, Dammarie-les-Lys, France, 1977), p.51.
[10] Littell, p. 728.

5 comentários:

  1. Eu não concordo que os cristãos sejam "culpados" pelo holocausto, tampouco pela existência de Auschwitz e tantos outros campos de extermínio na Alemanha nazista. Penso que em tese isso até pode ser considerado, mas apenas como discurso um tanto farisaico de "mea culpa" tão cultivado pelas gerações alemãs posteriores à 2ª grande guerra. E essa tese é um tanto maniqueísta.

    O problema é muito mais profundo, se olharmos a gênese do antissemitismo como rescaldo das religiões monoteístas, com ênfase no cristianismo e judaísmo (morte de Cristo, origem do cristianismo e perseguição dos cristãos nos primeiros séculos). Porém, eu creio que o genocídio nazista circunscreve-se mesmo a uma política de extermínio local, nascida na Alemanha e alimentada pelo Partido Nacional Socialista liderado por um lunático: Adolf Hitler.

    Para eu me considerar também co-responsável pelo holocausto, nem mesmo academicamente, muito menos na prática.

    Ricardo

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  2. A tese do John é que a omissão cristã foi única e incrivelmente absurda.
    Eu ainda vou postar, mas ele compara a inércia cristã no Holocausto com outros eventos onde houve grande mobilização cristã por motivos menos importantes.

    Resumindo: a responsabilidade dos cristãos não é tanto ativa, mas passiva. Reside na omissão, que biblicamente é pecado (aquele q sabe q deve fazer o bem e não o faz, nisso está pecando).

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  3. "A cruz de Hitler" é um livro que fala muito sobre isso...

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  4. a irmã anda gostando muito de "notas de rodapé"... hehe

    tem até coisa em franceis ali... uau... ;)

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  5. Vanessa,vc está corretíssima.A questão é que as pessoas desconhecem que o cristianismo nunca foi judeu.É grego. Sua origem está na disputa entre o judaísmo e o helenismo pela hegemonia cultural no mundo antigo. Como os judeus se recusaram integrar o ideal universal helenístico foram titulados de inimigos da Humanidade por desejarem continuar judeus.O ódio grego esplodiu com virulência no primeiro século. O cristianismo é um antídoto ao proselitismo judeu. Repare que quem conta sua história são os gregos.Não existe sequer um único nome judeu na alegada transição do cristianismo para o mundo grego. Como gato escaldado tem medo de água fria o silêncio histórico dos judeus é compreensível.

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