George Knight
Trad.: Isaac Malheiros
Surpreendente
como possa parecer, algumas vezes nós provamos mais do que queríamos se
estendemos nossa metodologia às suas conclusões lógicas.
O caso das joias
Por exemplo,
alguns argumentam que uma das melhores razões para o cristão moderno não usar
joias é que nós estamos atualmente vivendo no antitípico Dia da Expiação.
No Velho
Testamento, o Dia da Expiação era o dia mais solene no calendário judaico. Era
um dia de auto-exame, julgamento e purificação. E não era apenas um dia para os
sacerdotes oferecerem sacrifícios especiais. Todo indivíduo tinha que se
envolver se não seriam “cortados”. Repetidamente os israelitas foram instruídos
a se “afligirem” nesse dia tão solene (Lv 16:29, 30; 23:27, 32; Nm 29:7). “Porque
toda a alma, que naquele mesmo dia se não afligir, será extirpada do seu povo.”
(Lv 23:29). Era um dia realmente sério.
“O mandamento
para ‘se afligir,’” escreve Gordon Werham, “sublinhou a necessidade de cada
indivíduo examinar a si mesmo e arrepender-se de seus pecados.”
Outros tem argumentado que parte dessa aflição seria a humildade e simplicidade
no vestuário. Assim, aqueles que estivessem realmente examinando o coração
teriam abandonado as joias.
Acho que
essa é uma posição interessante. Mas me parece ser mais simples provar que
ninguém deveria ter relações sexuais no antitípico Dia da Expiação. Afinal, Lv
15:16-18 diz que aqueles que tivessem relações sexuais estariam ritualmente
impuros até o pôr-do-sol. O que implica que eles estariam desqualificados para
exercerem as atividades religiosas do Dia da Expiação anual.
Quando essa
interpretação é estendida ao dia antitípico da Expiação, se torna ainda mais
fascinante. Uma coisa é não ter sexo num dia santo; outra coisa é não ter sexo
durante todo o período antitípico. Claro que quem se inclinar a tal aplicação
também poderia encontrar justificação escatológica para essa posição. Afinal,
Ap 14:1-5 não ensina que os 144 mil são “virgens”? Enquanto alguns possam pular
de alegria sobre tal interpretação, outros provavelmente a veriam como mais
"aflição" do que eles poderiam suportar.
E claro, é
ainda mais fácil provar pela lógica acima que todo o trabalho está proibido no
dia antitípico da Expiação (Lv 23:28, 30, 31; Nm 29:7). Mas enquanto isso é
mais facilmente provado, a mente mediana não vê nas consequências nada tão
interessante para contemplar como no argumento do não-sexo.
É importante apontar claramente que eu não estou argumentando a favor ou
contra o uso de joias, o sexo ou o trabalho. Meu objetivo é o uso correto das
Escrituras. Especificamente, estou apontando que algumas vezes nós
inadvertidamente provamos mais do que queremos através do uso da lógica
relacionada à Bíblia. É importante também notar que não estou duvidando da
sinceridade de quem usa tais argumentos. A questão é mais de metodologia do que
de sinceridade. Podem existir excelentes argumentos contra o uso de joias (bem
como contra o sexo, e o trabalho) na Bíblia, mas me parece que o argumento
relacionado ao dia antitípico da Expiação não é um deles. Tipologia (bem como
as parábolas), enquanto válida para muitas inferências, tem limitações.
O caso da ordenação de mulheres
Outra
ilustração de um argumento que prova mais do que pretende tem a ver com a ordenação
de mulheres. A Igreja Adventista (como várias outras denominações) tem visto
uma grande quantidade de argumentações de ambos os lados nesse assunto nos
últimos anos.
Um orador
recentemente baseou seu argumento contra a
ordenação feminina no fato de que a igreja Adventista é uma igreja da
Bíblia, e, portanto, “a Palavra de Deus deve ser nosso foco”. Dada essa sólida
fundação, ele apropriadamente citou Is 8:20: “À lei e ao testemunho: se eles
não falarem de acordo com essa palavra jamais verão a alva.”
A seguir,
ele guiou seus ouvintes à “mensagem atemporal” de 1 Timóteo 2, enfatizando
especialmente o verso 12: “Não permito que a mulher tenha autoridade sobre o
homem” (Ele parafraseou o texto). Isso foi seguido por um tríplice argumento em
favor da liderança masculina.
Esse orador
estava certo de que a advertência de Paulo não tem nada a ver com cultura. Ao
contrário, o conselho foi estabelecido como um imperativo moral universal, e
transgredi-lo é nada menos que o “descarrilamento da locomotiva da missão da
igreja”.
A real
questão , ele afirmou, era que nós confiamos nos escritores da Bíblia. Nesse
ponto o argumento se tornou mais intenso e mais interessante de uma perspectiva
hermenêutica. “Agora, a questão é”, disse ele à sua audiência, “como nós interpretamos
a Bíblia?” Sua resposta foi que a Bíblia
não precisa de interpretação. Ou, como ele mesmo disse: "A Palavra de Deus é infalível;
aceitá-lo como ele lê. Temos muitos conselhos sobre o perigo de modificar
as instruções de Deus .... O que precisamos,
como adventistas do sétimo dia, amigos, é a submissão à Palavra de Deus, não
reinterpretação" (itálicos acrescentados).
Posteriormente,
ele citou Ellen White, dizendo que "Deus terá um povo na terra que
mantenha a Bíblia, e a Bíblia só, como norma de todas as doutrinas e base de
todas as reformas". Ele concluiu seu estudo, em parte, ao afirmar que ele
era contra a ordenação de mulheres ao ministério, porque "viola a doutrina das Sagradas Escrituras, por não aceitar as Escrituras
como claramente a lemos" (itálicos supridos).
O que foi realmente provado?
Não há
dúvida de que ele estava falando a honesta convicção do seu coração. Mas eu
fiquei atônito quando li e assisti sua apresentação enérgica. Por um motivo: 1
Timóteo 2:12 não diz absolutamente nada sobre ordenação. Então novamente, eu
mal pude acreditar que a apresentação viera de um Adventista do Sétimo Dia;
talvez um calvinista conservador, mas não um adventista. Afinal de contas os
adventistas tem o fenômeno Ellen White.
Fui atingido em cheio no rosto com o fato de que se alguém aceitasse
suas pressuposições, o que na verdade havia sido demonstrado era que Ellen
White era uma falsa profetisa.
Roger Coon
ilustra bem o que estou dizendo quando ele relata sua experiência com um
evangelista itinerante que veio à Napa, Califórnia, e colocou um grande anúncio
no jornal prometendo destruir as doutrinas da Igreja Adventista numa
apresentação na quinta-feira á noite e demolir sua profetisa na semana
seguinte. Coon assistiu às duas sessões. Na segunda, o evangelista “provou” que
a Igreja Adventista era falsa porque um de seus pioneiros fundadores era uma
mulher que desafiou os ensinos do apóstolo Paulo proibindo mulheres de falarem
nas igrejas cristãs.
Adventistas,
por razões óbvias, sempre resistem a essa interpretação. A igreja
tradicionalmente tem justificado o ministério público de Ellen White por
perceber que o conselho sobre mulheres permanecerem em silêncio na igreja em 1
Tm 2:11, 12 estava enraizado no costume de uma época e de um lugar, e não era para
ser aplicado grosseiramente agora que as circunstâncias mudaram. Portanto, como
diz o Comentário Bíblico Adventista:
“Por causa da ausência geral de direitos femininos privados e públicos à época,
Paulo sentiu que era conveniente dar este conselho para a Igreja. Qualquer
violação grave de costumes sociais aceitos traz opróbrio sobre a igreja ....
Nos dias de Paulo, o costume exigia que as mulheres se colocassem em segundo
plano.”
Vamos voltar
ao nosso orador adventista e examinar com mais cuidado o uso que ele fez de 1
Timóteo 2. A primeira coisa a se notar é que ele leu apenas o pedaço do texto
que era adequado ao seu propósito. As palavras que estão imediatamente antes do
trecho que ele citou são: “A mulher deve aprender em silêncio, com toda a
sujeição” (1 Tm 2:11, NVI). E as palavras que estão imediatamente após a
“mensagem atemporal” que ele leu apenas reforça esse sentimento. Sua paráfrase
também deixou de fora as palavras "ensinar ou" uma vez que seu único
foco era sobre a restrição de lidar com a "autoridade". Permitam-me
citar o versículo 12 na íntegra: "Eu não permito que a mulher ensine, nem
use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio" (NVI).
Agora, é
óbvio que se alguém está testando tudo no sentido mais estrito pelas palavras lei
e o testemunho, e se não está "modificando" as instruções de Deus (ou
as reinterpretando), mas simplesmente aceitando as Escrituras como
"claramente se lê", então é uma conclusão necessária que Ellen G.
White deve ser uma falsa profetisa do tipo mais grave.
Para dizer o
mínimo, ela raramente permaneceu em silêncio na igreja. Na verdade, ela
ensinava com autoridade para homens e mulheres em todos os lugares onde esteve.
Ela foi a principal transgressora se de fato 1 Tm 2:11, 12 está expressando uma
"mensagem atemporal" que não precisa de interpretação.
Vamos
encarar os fatos: após alguém examinar todos os argumentos sobre liderança e
/ou o significado de Eva pecar antes de Adão, e após ser exposto a todos os
ótimos argumentos vindos do grego e hebraico bíblicos, e da erudição alemã e
francesa, o fato é que a Bíblia diz em bom português que mulher não pode
ensinar, que elas devem ficar em silêncio.
É claro que,
se a hermenêutica permite levar em conta o tempo e lugar em que a Bíblia foi
escrita, então o problema não é tão sério. Mas o nosso amigo não se permitiu
nenhuma saída. Assim, ele está preso ao fato de que, quando testada por uma
"leitura simples" da Bíblia, Ellen White é uma falsa profetisa. Ele provou
mais do que pretendia.
Por outro
lado, se alguém admite que a parte sobre o silêncio precisa ser um pouco
“modificada” (deveria eu ser ousado o suficiente e dizer
"interpretada" ou "contextualizada" ao tempo e lugar?),
então deve permitir que tal licença se estenda ao verso inteiro. Mas isso, é
claro, levaria a um enfraquecimento de todo o argumento. Embora isso possa
parecer assustador para alguns, a única alternativa é ficar empacado com uma
falsa profetisa.
Os bons
pontos do meu argumento parecem ter sido desconsiderados por dois livros
recentemente publicados que seguem a mesma linha geral de argumentação, como
discutido acima. Ambos veem 1 Timóteo 2:11-14, junto com a passagem paralela de
1 Coríntios 14:34, 35, como sendo textos cruciais no processo contra a
ordenação (mesmo que nenhuma dessas passagens mencionem o tema), ambos veem a
questão como sendo de autoridade bíblica, e ambos tomam a posição de que a
Bíblia pode ser fielmente lida apenas como ela é.
Dito isto,
no entanto, eles imediatamente começam a modificar e interpretar a parte sobre o
silêncio das mulheres na igreja. Como um dos livros aponta, "a questão
aqui não é amordaçar as mulheres em silêncio." O outro livro afirma que a
passagem de 1 Coríntios certamente não
significa que as mulheres têm que ficar em silêncio na igreja, pois isso “estaria
em contradição com outro ensinamento paulino". "A conclusão é que a
restrição" à fala das mulheres na igreja "deve ser em referência ao
ensinamento autoritativo, que é uma
parte do trabalho pastoral, a posição
de liderança espiritual e autoridade sobre a congregação."
Ora, essa é
uma interpretação interessante, mas ela não tira Ellen White do anzol do falso
profeta. Afinal de contas, ela falou bastante com autoridade até mesmo para os pastores
líderes, tanto na igreja como fora. Na verdade, ela encontrou-se com bastante
frequência em conflito público com os ministros masculinos, e argumentou com
muita autoridade, apesar da advertência de Paulo.
É um ponto
interessante que por alguns anos Ellen White recebeu credenciais ministeriais e
suas credenciais eram de ministro ordenado, ainda que ela nunca tenha sido
tecnicamente ordenada pela imposição de mãos. Ela foi (e é) o ministro mais
"autoritativo" que a Igreja Adventista do Sétimo Dia já teve. Se
alguém no adventismo - homem ou mulher - já falou com autoridade, foi Ellen
White.
Quando o
segundo volume trata de explicar o significado da afirmação sobre mulheres ficando
em silêncio em 1 Tm 2:11-14, ele chega ao ápice da modificação e interpretação
adaptada. "O que é proibido para as mulheres", nosso autor nos diz:
"é ensinar nos cultos como parte do ofício eclesiástico de pastor, que
envolve o exercício da autoridade espiritual. Mulheres que são convidadas a participar dos cultos, seja orando ou
exortando, o fazem com base na autoridade delegada pelo pastor homem que ocupa
o cargo eclesiástico e espiritual, cuja autoridade é derivada de Cristo "(itálico
no original).
É muita
coisa para interpretar, é muita coisa para apenas ler em simples palavras na
Bíblia.
Mesmo essa
reconstrução maciça do texto não tira Ellen White do anzol. Ela exercia autoridade
espiritual em público e particularmente, e seus ouvintes eram de ambos os
sexos. Claro, as pessoas podem aprimorar suas definições de modo a fazer Paulo expor
suas conclusões, mas fazer isso dificilmente é uma leitura das "palavras
simples" da Bíblia. E tal procedimento certamente falha ao não seguir o
seu próprio método hermenêutico às suas conclusões lógicas.
Alguns
pensamentos finais
Antes de
sair do estimulante assunto da ordenação feminina, talvez eu deva compartilhar
mais um argumento que prova mais do que pretendia. Um dia, em minha aula de
formação pastoral, um de meus alunos veio com a “resposta infalível” à questão
da ordenação feminina. “Leia o Antigo Testamento,” ele disse. “Todo sacerdote
ordenado era homem.”
“É verdade,” eu respondi, “mas você provará
muito mais se mantiver seu argumento. Se você seguir sua lógica, terá que
concluir que muito poucos, incluindo você, são biblicamente aceitáveis para a
ordenação, pois o Antigo Testamento aprovou apenas a ordenação de homens
orientais. E mesmo assim, não é qualquer oriental. Eles tinham que ser hebreus,
e também da linhagem de Aarão, da família levítica.”
“Bem,” disse alguém que queria estender o
argumento, “veja Jesus. Ele escolheu apenas discípulos homens.” É verdade, mas
isso pode ser discutido, pois ele escolheu como discípulos apenas judeus que
não eram da Diáspora.
“Mas,” disse outro, “Paulo era um homem da
Diáspora que foi uma espécie de discípulo, mesmo não sendo um dos doze.”
Sim, mas
alguns dos discípulos homens originais que não eram da Diáspora podem apontar
que o problema começou com Paulo. Afinal, veja os problemas que ele levantou
quando começou a aplicar o evangelho no contexto dos gentios do primeiro
século. Ele quase dividiu a igreja do Novo Testamento.
"Mas",
outro sugere, "é por isso que a experiência de Paulo está na Bíblia. Toda contextualização
justificável deve cessar em Paulo. Afinal de contas, você não pode ir a
extremos nesse negócio de aplicar a Bíblia aos novos tempos e lugares.”
E os
argumentos podem continuar. E eles irão.
Concluindo,
quero dizer novamente que o assunto do meu artigo não são as joias, o sexo, o
trabalho ou a ordenação de mulheres.
Pelo
contrário, é uma advertência para que examinemos todas as consequências do
nosso método teológico para que não sejam maiores do que pretendíamos, é um
apelo para sermos fiéis à nossa própria lógica e à totalidade dos textos selecionados
para demonstrar o nosso ponto. Assim, joias e ordenação meramente fornecem
ilustrações contemporâneas que fazem um alerta para o uso racional das
Escrituras. Afinal, há uma grande diferença entre usar a Bíblia para provar um
ponto e desenvolver um argumento bíblico sadio. Uma "visão elevada"
da Bíblia exige uma hermenêutica sadia.