Dois extremos
Uma das áreas mais difíceis para muitos cristãos no espectro da ética é viver a vida cristã sem sucumbir às armadilhas polares da ética cristã – legalismo e antinomismo[1].
O legalismo vê a Bíblia do mesmo modo como os fariseus a viam nos dias de Cristo. O legalista olha para a Bíblia como um livro de regras éticas que oferece uma máxima para todo caso que surge. A partir da perspectiva do legalismo, as regras são extremamente importantes e as pessoas devem se postar sob a sua jurisdição em uma condição inflexível (“O que é certo, é certo; não tente explicar suas atitudes com base em situações atenuantes.”).
O extremo oposto é o antinomismo, que rejeita toda a lei moral e não tem lugar para princípios universais.
Absolutismo ou Relativismo Sem Limites
Arthur Holmes notou que o legalismo deve ser definido como “absolutismo ilimitado”, enquanto o antinomismo é o “relativismo ilimitado”.[2] Jesus rejeitou o absolutismo ilimitado e sua vida foi uma contínua condenação dos fariseus, que seguiram milhares de leis mas não amaram a Deus ou ao homem.
Um exemplo desta rejeição pode ser encontrado em sua relação com o sábado. Fora dos eventos de Marcos 2 e 3, Jesus enunciou os princípios de que “o sábado foi feito para o homem” e “não o homem para o sábado”, e que é fidedigno trabalhar no sábado se alguém está fazendo o bem por outras pessoas (Mr 2:23-3:6). Na realidade, Jesus está dizendo que as pessoas são mais importantes que as regras e que certas situações tornam permissível quebrar a letra da lei. De maneira alguma Jesus pode ser visto como um absolutista ou um legalista ilimitado.
Por outro lado, Jesus não pode ser classificado como um relativista ilimitado ou como um antinomista. Ele afirmou no Sermão da Montanha que Ele não viera para destruir a Lei, próximo ao fim de Sua carreira terrestre afirmou ter guardado as leis de Seu Pai e que Seus seguidores devem fazer o mesmo (Mt 5:17; Jo 15:10).
Relativismo Limitado
Holmes desenvolveu uma tentativa de equilibrar os extremos polares do “absolutismo ilimitado” e do “relativismo ilimitado” com o “relativismo limitado”.[3] Uma expressão moderna dessa posição é encontrada na escola de pensamento relativa à ética de situação (ética situacional). A essência da ética de situação, afirma Joseph Fletcher, um de seus maiores expoentes, é “qualquer coisa e tudo está certo ou errado, dependendo da situação”. A boa ação, contínua, seria o ato mais amoroso e preocupado.[4]
A ética de situação é correta em repudiar o legalismo e em sua admissão de relatividade ética limitada. Seu maior problema é que ela rejeita os princípios morais e as regras e, em conseqüência, alarga o relativismo a cada questão moral específica.[5] Portanto, a ética de situação desvirtua o amor cristão. Como visto acima[6], a Bíblia nunca separa amor da lei moral. Ao contrário, repetidamente une os dois. O amor, na perspectiva de Cristo, estava completando e resumindo os Dez Mandamentos. A posição bíblica é uma rejeição do relativismo limitado ou da ética de situação, com sua inabilidade de estabelecer limites morais.
Absolutismo Limitado
Se não forem absolutos todos os valores e regras do comportamento, então o que as pessoas precisam são absolutos limitados em vez de absolutismo ilimitado legalista. Uma quarta posição ética, que se concentra mais na perspectiva bíblica, pode ser chamada de “absolutismo limitado”. Esta posição permite ao amor reter seu conteúdo cognitivo como expresso nas ações e atitudes de Deus e nos Dez Mandamentos. Ela retém os princípios universais para a aplicação da lei a situações diferentes, enquanto proporciona ao cristianismo liberdade onde a lei silencia.
Absolutismo limitado, portanto, busca colocar-se entre os perigos do legalismo e do relativismo, e propõe uma solução “na qual o relativismo é limitado pelas leis”. De acordo com Holmes, o absolutismo limitado permite vários tipos de relatividade:
1) relatividade em aplicar princípios universais a situações distintas (i.e., Cristo ilustrou que há vezes em que o trabalho poderia e deveria ser feito no sábado);
2) relatividade em nosso entendimento a respeito dos princípios éticos e como estes princípios foram aplicados de maneira diferente em diferentes períodos históricos (i.e., a posição bíblica em relação à escravidão e à poligamia); e
3) relatividade na moral devido a diferenças culturais em vez de diferenças de princípio (i.e., práticas de solicitação bíblicas e rituais de casamento comparados às nossas).
Ao mesmo tempo, a ética bíblica do absolutismo limitado também afirma absolutos:
1) o caráter imutável de Deus, que articula a lei não como um código arbitrário, mas como um sábio guia para a vida humana;
2) a lei moral como dada na Lei do Amor e os Dez Mandamentos, interpretados no Sermão da Montanha, e aplicado a situações históricas nos escritos proféticos e apostólicos.[7]
Fonte: Filosofia e Educação: uma introdução da perspectiva cristã, George Knight, Imprensa Universitária Adventista, p. 188-190.
*George R. Knight é doutor em educação, historiador, teólogo e escritor.
[1] Antinomismo é a total aversão a qualquer regra, norma ou lei ética.
[2] Arthur F. Holmes, Faith Seeks Understanding: A Christian Aproach to Knowledge ( Grand Rapids , MI : Wm. B. Eerdmans Publishig Co., 1971), p.93
[3] Ibid.
[4] Joseph Fletcher, Situation Ehics: A Nova Moralidade (Philadelphia: The Westminster Press, 1966), p.124.
[5] Holmes, Faith Seeks Understanding, p. 94.
[6] Knight se refere aqui a uma seção de seu livro, anterior a esse texto, onde trata de questões axiológicas. Essa seção está nas páginas 184-188.
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