Uma das maiores tragédias na historia da Igreja Cristã foi a justificação da perseguição religiosa e guerras santas. No inicio do quinto século AD, Agostinho (354-430), um dos maiores teólogos, usou as palavras de Jesus para justificar a perseguição aos hereges. [1] De acordo com James Carroll, “foi o falecido Agostinho que, não mais dependendo da forca da razão, justificou o uso da coerção para defender e espalhar a fé ortodoxa: ‘ao ser primeiro compelido por medo ou dor, para que eles possam depois ser influenciados pelo ensino’.” [2]
Agostinho, que teve de enfrentar a heresia do Donatismo, fez uma interpretação inadequada da parábola do banquete relatada por Jesus (Lc 14:16-24) Um senhor organizou uma grande ceia e convidou seus amigos. Eles recusaram o convite. No contexto da historia, isso foi muito humilhante para o senhor. O jantar estava pronto e ninguém estava lá. Então ele decidiu enviar seus servos para as ruas e voltar com aqueles que encontrassem. Sua ordem no verso 23 é: “obrigue-os a entrar”. O verbo grego anagkazo pode ser traduzido como coagir ou compelir, seja por força seja por persuasão argumentativa.[3]
Agostinho acreditava que os Donatistas estavam se recusando a aceitar a verdade e que era aceitável para as autoridades da igreja usar a lei civil para obrigá-los a aceita-la (Compelle Intrare). Sua vontade, de acordo com o grande teólogo, estava num estado de ignorância e confusão. Sua vontade e hábitos precisavam ser subjugados.[4] Agostinho se opunha a tortura e pena de morte, mas chegou a acreditar que a perseguição física poderia ajudar os hereges a fazerem a escolha certa. Ele escreveu: “Deixem os hereges serem tirados de seus recantos, serem extraídos de seus tormentos. Ele não querem ficar empacados nos recantos”. Mas essa não é a ordem de Deus. Ele disse: “ ‘obrigue-os a entrar’, use compulsão fora, para que a liberdade possa surgir quando eles estiverem dentro”.[5]
De forma interessante, quando os Donatistas foram perseguidos, Agostinho tentou construir pontes para eles: “Amamos vocês. Por favor, aceitem a verdade. Amamos vocês, mas queremos corrigi-los.”[6] Ele acreditava que a correção neste mundo salvaria os hereges da punição eterna no próximo. A visão de Agostinho formava a base da doutrina e pratica da Idade Media. Ela abriu o caminho para a Inquisição.[7] Alguns séculos depois, o grande teólogo Tomas de Aquino foi alem. Ele ajudou a justificar a pena de morte para os hereges.
Os teólogos cristãos não mais apóiam essa interpretação da parábola. Eles concordam Jesus nunca forçou os homens a acreditarem nEle. Nunca instruiu Seus discípulos ou a igreja apostólica a usar a força. Jesus repetidamente aconselhou Seus discípulos a evitarem a controvérsia e a retaliação por descontentamento (Mt 5:43-47; 6:14-15; 7:1-15; 10:14). Ele tem estado sempre ao lado dos perseguidos e não dos perseguidores.
O exemplo de Agostinho e Tomas de Aquino mostra como os ensinos de Jesus podem ser mal interpretados para justificar o uso do poder civil a fim de defender a ortodoxia. Infelizmente, para Agostinho e Tomas, Jesus não estava lá para repreende-los dizendo:
“Vocês não sabem de que espécie de espírito vocês são!” (Lc 9:51-56)
Esse texto é baseado em texto do livro “Discussões sobre fé e liberdade: defendendo o direito de professar, praticar e promover sua crença”, de John Graz, p. 25-26.
Leia também “Jesus não apóia intolerância religiosa”
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[1] Tertulio, Origenes, santo Cipriano e Lactancio se opuseram a usar a força contra os hereges. Ver Michelle-Marie Fayard, Sur l’usage de laforce pour la conversion des heretiques, Conscience et Liberte, vol. 13, 1977, p. 34-36.
[2] James Carroll, Constatine’s Sword: The Church and the Jews, (Boston and New York: Houghton Mifllin Company, 2001), p. 211.
[3]Ver The Expositor’s Bible Commentary, Frank E. Gaebelein, Editor geral, vol 8, p. 978. (Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House, revisado em 1984).
[4]Em Lib. Arb. 3 18; 51-52
[5] Sermons (Sermones), 112.8, Gary Wills, Saint Augustine. (New York: Viking Press, 1999), p. 103.
[6] Ibid, p. 109.
[7] Em De Civit Dei, XXIII, p. 51.
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