segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O repertório carismático: eles estão entre nós!

Andrae Crouch
Numa conversa sobre os rumos da adoração adventista, ouvi o seguinte: “Usar músicas que estejam relacionadas aos carismáticos mudará nosso culto e, consequentemente, nossa teologia”.

Para nós, adventistas, essa afirmação é incrível. Nosso hinário vem de fontes teológicas tão diversificadas que é um verdadeiro milagre não sermos ecumênicos! (risos). Se cantar as músicas que os carismáticos cantam nos torna carismáticos, o que diremos de nossos hinos católicos e reformados (calvinistas)? Como foi possível continuarmos adventistas até hoje cantando canções de antinomistas e imortalistas?

A adoração adventista sempre dialogou com movimentos vizinhos, usando o que é cabível em nosso ambiente teológico. Talvez os autores ignorem que nosso hinário inclui canções das raízes reavivalistas/pentecostais e do próprio movimento carismático recente. Estamos, desde o nascimento, envolvidos musicalmente com eles e isso nunca representou um grande problema. Uma rápida olhada em nosso hinário revela algumas coisas curiosas. Confira:

Phoebe Palmer, uma das mentoras do Movimento Holiness[i] escreveu vários hinos, e alguns deles ainda estão no Hinário Adventista do Sétimo Dia (HASD): “Vigiai Cristãos” (HASD 126) e “Agora posso ver” (HASD 516). Sua filha, Phoebe Palmer Knapp, é co-autora do famoso “Bendita Segurança” (HASD 240). Ela influenciou William Booth e seu Exército da Salvação.[ii]

Charles William Fry, autor de “Achei um grande amigo” (HASD 88) e “Vem, Jesus, nos despertar” (HASD 405), foi um dos fundadores do estilo musical do Exército da Salvação, utilizado no adventismo pioneiro pelos fanáticos da Carne Santa. Ballington Booth, autor de "Minha Cruz” (HASD 297), era filho de William Booth. Outros hinos do Exército da Salvação são “Louvores a meu Rei” (HASD 81) e “Doce Lar” (HASD 566). Além disso, Fanny Crosby, autora de vários hinos do Hinário Adventista, mantinha estreita ligação com o Exército da Salvação e com o movimento Holiness.[iii]

John Wimber (HASD 496) foi carismático, um dos fundadores das igrejas VineyardLanny Wolfe (HASD 578) sempre esteve ligado à United Pentecostal Church (não trinitariana), e atualmente é diretor de música de uma igreja pentecostal não-denominacional.

Laurie Klein compôs “Eu te amo, ó Deus” (HASD 579), um dos hinos do movimento carismático popularizados por Jack Hayford. Hayford (HASD 73) é pastor pentecostal e foi presidente da Igreja do Evangelho Quadrangular de 2004 a 2009.

Andrae Crouch (HASD 249) é pentecostal da Igreja de Deus em Cristo, diretamente ligada ao movimento pentecostal da rua Azuza. Jimmy Owens (HASD 587) é um dos pioneiros da música cristã contemporânea e do movimento de Louvor e Adoração. Outras canções popularizadas nos cultos pentecostais/carismáticos (Como “Suave Espírito” [HASD 158], de Doris Akers[iv]) e contemporâneos (como “Em tuas mãos” [HASD 480], de Diane Ball) também fazem parte de nosso repertório.

Além disso, se fôssemos falar também do repertório "contemporâneo" em nosso hinário, a lista aumentaria exponencialmente. Quase todos os pais da música cristã contemporânea estão em nosso hinário: Ralph Carmichael, Kurt Kaiser, Bill e Gloria Gaither, John W. Peterson, Don Wyrtzen e outros. Sem perceber, já realizamos nossos cultos acompanhados de muita gente ligada ao repertório contemporâneo e carismático.

Na verdade, existem vários outros hinos ligados aos movimentos Holiness e pentecostal no Hinário Adventista. Cantamos esse repertório há mais de um século! Historicamente, a IASD nunca esteve longe da “ameaça” pentecostal. No entanto, desde sempre conseguimos reter o que é bom dos nossos vizinhos.[v]

Nosso repertório de hinos também está presente em outros estilos de culto. Até o culto pentecostal clássico acontece ao som de hinos. Como escreveu Don Williams, “os hinos, sem dúvida, podem também ser usados na adoração contemporânea, na combinada e na carismática.”[vi]

Assim, o medo do carismatismo na música contemporânea não se justifica se continuarmos a fazer o que sempre fizemos: seleção criteriosa. Creio duas coisas deveriam acontecer para contextualizar a adoração de maneira segura:

1) Incentivarmos a criação de nosso próprio repertório de louvor congregacional contemporâneo. Estamos engatinhando nesse sentido, mas já temos um bom material inicial para selecionar.

2) Continuarmos sendo biblicamente criteriosos na seleção de músicas de louvor do meio evangélico. O isolamento não é necessário, como mostra nossa história.

Isaac Malheiros Meira

[i] Leia sobre a relação do movimento Holiness com as manifestações extáticas aqui: http://www.adoracaoadventista.com/2011/12/culto-da-carne-santa-uma-copia-de.html
[ii] William Booth, fundador do Exército da Salvação, foi especialmente influenciado pelo ministério de Phoebe Palmer a partir dos anos 1840. Palmer ensinava um “caminho mais curto” para receber a inteira santificação e enfatizava a importância da “experiência” em detrimento da precisão teológica. Ver
Phoebe Palmer, “The Shorter Way”, em Voices From the Heart (Grand Rapids, MI.: Eerdmans Press, 1987), 156-158.
[iii] Rodney L. Reed, “Worship, Relevance and the Preferencial Option for the Poor in the Holiness Movement, 1880-1910”, em Wesleyan Theological Journal, 98.
[iv] Essa canção, por sua mensagem centrada no Espírito, rapidamente se tornou um dos hinos preferidos dos pentecostais e carismáticos. É denunciada por tradicionalistas como uma das culpadas da invasão pentecostal nas igrejas históricas. Ver, por exemplo: http://www.pbministries.org/Theology/Laurence%20Justice/embrace_pentecostalism.htm
[v] Um bom exemplo disso são as reuniões campais, uma prática reavivamentista que frequentemente se degenerava em fanatismo, mas que foram uma bênção para o adventismo. Apesar das campais terem uma origem questionável, serem quase sempre acompanhadas de excessos emocionais, e serem regularmente realizadas pelo movimento Holiness e por outros grupos não alinhados à teologia adventista, os adventistas não deixaram de usar esse método. Ellen White claramente endossou a realização de campais, mesmo estando ciente do fanatismo que rondava as campais Holiness e do risco de excessos no adventismo. Para ler mais sobre isso: http://www.adoracaoadventista.com/2011/12/culto-da-carne-santa-uma-copia-de.html
[vi] Don Williams, “Resposta da adoração carismática”, em Adoração ou Show?, 91.

2 comentários:

  1. Não entendo muito bem a respeito do assunto da música em nossa igreja, mas penso que a questão em estudo está ligada não a quem compôs este ou aquele hino, mas sim ao estilo musical inadequado à adoração no que diz respeito à melodia, letra, etc...

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  2. Os "seus compositores" puro-sangue adventistas, copiam hoje o que há de PIOR do FORMATO evangélico e das igrejas que têm seus cultos baseados no formato "louvor e adoração". A MAIOR Gravadora adventista do Brasil têm no seu 'casting' compositores recém-convertidos, mas que receberam todos os holofotes da instituição. Ao mesmo tempo, os seus lançamentos recentes estão RECHEADOS de canções num formato MAIS DO QUE EXPLORADO pelas outras igrejas, com músicas totalmente emocionais e repetitivas. Não adianta querer criar uma escola própria de compositores, e continuar copiando os piores padrões de outras igrejas, em detrimento de USAR as melhores canções dos compositores não-adventistas. PETERSON é um dos caras que mais escreveu sobre a volta de Cristo, e era Batista. Tem SETE de seus hinos no HASD, sendo que no hinário presbiteriano, pra você ter idéia, não tem NENHUM.

    Pondere carinhosamente sobre o assunto, meu querido.

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