quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

"Cristãos em busca do êxtase" e a música - 3


8) Dorneles usa o argumento “os salmistas ainda não tinha luz”
Para confirmar e esclarecer as teorias de seu livro, Dorneles lançou um artigo chamado "O canto do Senhor". Nele, ele escreve sobre o Salmo 150:

“quando fala de como louvar, Davi naturalmente expressa a compreensão do louvor a Deus daquela fase de sua vida. A experiência do templo agregou mais luz a essa compreensão.”

Dorneles supõe que ao incentivar o uso de tambores, Davi ainda não tinha luz (conhecimento revelado) sobre o assunto. Dorneles não faz essa suposição baseado na Bíblia, mas num salmo apócrifo (veja próximo tópico).

Não cremos em inspiração verbal, mas acontece que essa proposta de Dorneles é semelhante à dos que adotam o método histórico-crítico de interpretação bíblica. Quer dizer que os compiladores dos Salmos não foram dirigidos pelo Espírito Santo, compilando para todas as gerações posteriores algo que apóia o que Deus supostamente já havia proibido? Os compiladores posteriores dos Salmos não repararam na letra dos Salmos “sem luz” que incentivam o uso da percussão?

Um outro autor, Gilberto Theiss, escreveu sobre o Salmo 150: “provavelmente, tenha sido escrito em um momento histórico da vida de Israel onde não havia ainda uma clara instrução divina acerca da forma apropriada para a adoração litúrgica”.

Isso é grave, pois uma afirmação desse porte está á beira de negar a inspiração plenária das Escrituras. Em quais partes dos Salmos ou da Bíblia como um todo poderíamos confiar, então? Não há nenhuma indicação bíblica de que o argumento da “falta de luz” seja verdadeiro. Há bastante instrução litúrgica na Torah. O autor do Salmo 150, bem como do 149, do 81, etc foram divinamente inspirados e não houve nenhuma correção posterior ou contradição do que eles escreveram sobre percussão.

Concordando com Dorneles, Gilberto Theiss, escreveu: “No tocante à adoração musical, o povo progressivamente foi abandonando os velhos costumes egípcios. Entre esses costumes que foram abandonados, destacamos as danças e o uso de tambores.”

A Escola dos Profetas (onde os alunos usavam percussão), os Salmos e textos bíblicos e rabínicos que falam claramente da percussão e da dança em celebrações religiosas refutam isso. Os hebreus usavam percussão e continuam usando. Os hebreus dançavam e os judeus modernos continuam dançando. Não precisamos distorcer textos e reescrever fatos históricos apenas para combatermos a dança. Existem outros argumentos para isso.

Além disso, o argumento da “falta de luz” também atinge as Escolas de Profetas. Deus criou uma instituição que ensinava música sacra com tambores. Talvez, o próprio Deus não tivesse luz sobre a música ideal ainda... Um pensamento absurdo.

O argumento da “falta de luz” gera um blackout...

9) Dorneles confundiu o Salmo 150 com o Salmo 151 (apócrifo)
Para dar força ao argumento da “falta de luz”, Dorneles comete uma gafe incrível no artigo “O canto do Senhor”. Para comprovar que o incentivo ao uso de tambores do Salmo 150 foi escrito antes da tal “reforma musical” de Davi, ele cita um comentário a respeito de um salmo que não existe na Bíblia!

Ele diz:
“Entre outras fontes de especialistas, a publicação The Septuagint Version (Zondervan: Grand Rapids, MI), diz que o Salmo 150 é “um salmo genuíno de Davi, composto quando ele venceu o combate com Golias”. Nesse caso, quando fala de como louvar, Davi naturalmente expressa a compreensão do louvor a Deus daquela fase de sua vida. A experiência do templo agregou mais luz a essa compreensão.”

Antes de tudo, seria importante saber quais são essas “outras fontes de especialistas”. Suspeito que isso seja apenas um recurso retórico para dar um falso peso acadêmico à bobagem que vem logo depois: a citação do apócrifo Salmo 151, presente na Septuaginta, que nada tem a ver com o Salmo 150.

Dorneles usa a versão Septuaginta para afirmar que o Salmo 150 é “um salmo genuíno de Davi, composto quando ele venceu o combate com Golias”, mas a Septuaginta traz isso no Salmo 151 (nao-inspirado) e não no 150.

Para ler o Salmo 151 on-line:
Em grego: http://www.septuagint.org/LXX/Psalms/151
Em inglês: http://ecmarsh.com/lxx/Psalms/index.htm

O que tem a ver um Salmo com o outro? Nada. Um é apócrifo, o outro é inspirado. Um traz informações sobre a data de sua composição, o outro não. Claramente Dorneles não percebeu que estava analisando o salmo errado. Até agora não encontramos nenhum esclarecimento ou errata de sua parte. Enquanto isso, o equívoco se alastra pela internet.

(O site Advir retirou o texto do ar, e o site musicaeadoracao apenas suprimiu esse trecho, mas manteve a argumentação sem divulgar nota esclarecedora)

10) Dorneles coloca os salmistas em desobediência
“Naquele dia, foi que Davi encarregou, pela primeira vez, a Asafe e a seus irmãos de celebrarem com hinos ao Senhor” (1Cr 16:7).

Asafe, que participou do transporte da arca e assumiu a liderança da música após isso, escreveu: “Comecem o louvor, façam ressoar o tamborim, toquem a lira e a harpa melodiosa." (Sl 81:2)

Asafe, um grande mestre da música em Israel, desconhecia a tal “reforma musical” que supostamente teria proibido os tambores. E é difícil conciliar a argumentação de Dorneles com o título do Salmo 5: “Ao mestre de canto, para flautas. Salmo de Davi.”

O compositor deveria acrescentar ao título: “eu não tinha luz quando fiz isso”, já que o acompanhamento deveria ser com flautas. No mínimo, os compiladores deveriam ter tomado alguma providência.

11) Dorneles usa a falácia da “falsa analogia”
Ele compara o uso de instrumentos musicais a costumes inadequados, como o uso de bebida forte, a poligamia e a escravidão:

“Da mesma forma que a revelação posterior, corroborada por estudo e reflexão, iluminou esses fatos que aos poucos foram sendo eliminados, a questão da música também deve ser objeto de estudo para compreensão e juízo acertados.”

A sutileza do erro aqui consiste em comparar coisas incomparáveis. Os costumes inadequados citados foram claramente corrigidos pelo Senhor. Através de claros preceitos e exemplos, vemos claramente Deus corrigindo as questões da bebida forte, da poligamia e da escravidão (essa, mais sutilmente). Para cada uma dessas práticas errôneas, temos um “Assim diz o Senhor” em sentido contrário.

Isso não acontece com a música como Dorneles acha que aconteceu: uma reforma musical divinamente instruída que baniu instrumentos da adoração e que seria aplicável ainda hoje. Dorneles compara correções claramente presentes na Bíblia com uma suposta correção imaginada.

Onde está essa "revelação posterior, corroborada por estudo e reflexão" no caso da música?
No mínimo, deveria ficar biblicamente evidenciado que a ordem bíblica contrária aos tambores é tão clara e direta quanto a ordem bíblica contrária à bebida forte ou à poligamia. Do contrário, incorre-se aí na falácia da falsa analogia.

Continua...

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